Sunday, July 11, 2021

Ciência que ecoa: pesquisadores do Projeto Mantis contam como foi a experiência imersiva na Amazônia

Leo Lanna  

Dois meses na Amazônia e muito conhecimento depois, Leo Lanna, bolsista do Programa Tatiana de Carvalho, e Lvcas Fiat iniciam agora uma nova etapa do processo científico

Em 1838, com a minha idade, Hermann Burmeister publicava na Alemanha mais um de seus trabalhos descrevendo a biodiversidade de nosso planeta. O naturalista foi responsável por descrever e nomear incontáveis espécies de insetos e outros animais a partir de exemplares depositados em museus e coleções particulares. Também realizou expedições, incluindo ao Brasil, em uma época que se valorizava muito esse tipo de viagem. Hoje, mais de 180 anos depois, abro um arquivo digitalizado de seu trabalho, que lembra um pergaminho antigo escrito com letras medievais em alemão. Busco sua descrição para uma espécie de louva-a-deus encontrada em nossa expedição Austral: Mantis da Amazônia. É um clássico louva-a-deus verde do gênero Stagmatoptera, característico pela mancha nas asas dos adultos. Burmeister foi o primeiro a reconhecer a espécie como única, a partir de ilustrações de um outro cientista chamado Stoll. Isso descobri lendo um trabalho mais recente, de 2016, do especialista e amigo Henrique Rodrigues, onde ele revisou todas as espécies desse gênero de louva-a-deus, trazendo agora descrições detalhadíssimas, fotografias de alta resolução e o histórico de cada uma. A espécie que encontramos é conhecida, tem nome científico Stagmatoptera supplicaria e pode ser encontrada em toda a bacia amazônica. O conhecimento sobre ela, como se pode notar, foi construído através de gerações de cientistas. Em breve os resultados de nossa expedição adicionarão mais camadas a esse conhecimento.

Após dois meses na Amazônia, uma longa jornada nos trouxe de volta à Mata Atlântica, no interior do Rio de Janeiro. Conosco vieram mais de 150 louva-a-deus e, entre eles, sete filhotes da espécie que citei acima. Pela primeira vez o ciclo de vida da espécie será conhecido e poderemos dizer quanto tempo vivem. Além disso, a ooteca (casinha de ovos) de onde nasceram os louva-a-deus estava sendo protegida pela mãe quando a encontramos, comportamento inédito para essa espécie, relembrando que pouco conhecemos desses animais em seu ambiente natural. Em dois meses de expedição, encontramos apenas essa única fêmea protetora na floresta, fora os machos que vieram voando em nossa armadilha de luz e os mais de cem filhotes que nasceram da ooteca, quase todos devolvidos à mata. Isso sugere que a espécie vive nas partes mais altas das árvores, longe de nossos olhos. 

Esse é apenas um exemplo do sucesso da expedição, e quão rica e imersiva ela foi. Para cada espécie de louva-a-deus encontrada reunimos uma enorme quantidade de informações. Até o momento, já são mais de 30 espécies diferentes, incluindo ao menos três espécies novas para a ciência. Muitos desses mantis só eram conhecidos para o Norte da Amazônia, e foi importante mostrar que a região Sul, tão afetada pelo desmatamento, também abriga uma riqueza enorme de espécies. Desvendamos diversos mistérios e, como sempre, surgiram ainda mais perguntas. Por que algumas espécies foram raríssimas e outras super comuns? Como as espécies se adaptarão às mudanças climáticas, com secas mais severas na região? De que forma os louva-a-deus típicos de Cerrado que encontramos na Amazônia colonizaram a região?

Seguimos criando todos até a morte natural, aprendendo cada vez mais. Conforme crescem e se desenvolvem, lembramos do momento em que os achamos, das noites de calor iluminadas pela Lua, dos sons misteriosos que nos rodeavam, dos detalhes das plantas e animais que habitam aquele universo. Lá na RPPN Cristalino era um desafio buscar o equilíbrio entre o trabalho de pesquisa científica, metódico e organizado, e a vibração constante e efêmera que havia em nosso entorno. Acredito que conseguimos. Foi a expedição mais bem-sucedida do Projeto Mantis, e um orgulho de poder trabalhar nossa ciência contemporânea em seu auge, construindo e transmitindo conhecimentos e sentimentos na busca pelo bem-estar de nossa natureza. 

Eumusonia – esta espécie de louva-a-deus habita áreas abertas e não era conhecida (nem esperada) para a Amazônia. Encontrá-la lá foi uma surpresa e levanta várias questões sobre seu habitat e a relação entre Amazônia e Cerrado, onde a espécie é comum.

Melhor ainda foi poder compartilhar a expedição com muitas pessoas, seja aqui pelo blog do Greenpeace, nas redes sociais do Projeto Mantis ou em lives e publicações que fizemos diretamente da Amazônia. Localmente, demos uma das palestras mais emocionantes de nossa vida aos funcionários da reserva, verdadeiros guardiões daquela floresta. Toda a expedição foi ricamente documentada por vídeos e fotografias. As milhares de espécies registradas serão compartilhadas por meio do iNaturalist, incrível ferramenta de ciência cidadã que todos podem contribuir. E claro, vamos continuar compartilhando histórias e memórias dessa Amazônia que vivemos, tanto em nossas redes quanto aqui. Nos conforta saber que, diante do cenário calamitoso que o meio ambiente brasileiro enfrenta, o local que visitamos continuará protegido. Saímos com a certeza de que aquela floresta guarda os mais preciosos segredos, e logo voltaremos. Saímos renovados e gratos pelos aprendizados que a Amazônia viva nos proporciona. Vamos garantir que a expedição ecoe através dos tempos, seja nas publicações científicas, seja nas histórias ao longo de gerações, contribuindo com a construção do conhecimento. A diversidade, humana e selvagem, é nosso maior tesouro e força. Juntos, resistiremos.  

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