Em ato e carta a Joe Biden, lideranças de povos indígenas e tradicionais, ambientalistas e parlamentares alertam: confiar no governo Bolsonaro é legitimar sua política de destruição ambiental
Lideranças de povos indígenas e tradicionais, representantes de organizações da sociedade civil, ambientalistas, cientistas, artistas e parlamentares se reuniram nesta manhã (quinta-feira, 15), no evento Emergência Amazônica – Em defesa da Floresta e da Vida, para dizer em uma única voz: é preciso ouvir as vozes da Amazônia; caso contrário, não será possível um acordo financeiro entre Brasil e Estados Unidos.
O ato, organizado pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa da Amazônia, da Câmara dos Deputados, teve como objetivo discutir os impactos sociais, ambientais e econômicos que a floresta amazônica e seus povos podem sofrer caso as negociações entre os governos Biden e Bolsonaro continuem acontecendo às escondidas, especialmente quando o país passa pelo pior momento da pandemia, atingindo a marca de mais de 360 mil mortos pela Covid-19, e retorna ao Mapa da Fome.
Uma carta-manifesto endereçada ao presidente dos Estados Unidos e assinada por 55 parlamentares e mais de 60 organizações da sociedade civil, incluindo Greenpeace Brasil, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Observatório do Clima, foi publicada ao final do evento. O documento alerta que um acordo firmado diante do cenário de destruição ambiental e genocídio das populações da Amazônia representaria uma validação à política de retrocessos do governo brasileiro.
“É alarmante que o governo dos Estados Unidos atribua confiança a um governo que empenha o negacionismo climático e tem a Amazônia e aqueles que lutam por sua conservação como inimigos”, diz um trecho da carta, que deixa claro que os signatários apoiam e estimulam a cooperação internacional para a defesa do meio ambiente no Brasil, tendo em vista o papel estratégico do país no combate à crise climática planetária, mas não sob essas condições.
Infelizmente, a proteção da floresta e seus povos não é prioridade do atual governo brasileiro que, a uma semana da Cúpula do Clima convocada pelo governo Biden, apresenta planos ineficientes e promessas que tentam apenas maquiar a realidade. Por isso, afirma Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, “um possível acordo legitimaria e financiaria a agenda de destruição da Amazônia promovida pelo governo federal, que também avança no Congresso Nacional para desregulamentar legislações socioambientais e fundiárias”.
Para Mariana, é fundamental que a sociedade se una para conter o avanço da agenda ruralista e exigir o fortalecimento dos órgãos ambientais e dos recursos necessários para que cumpram sua função de proteger o meio ambiente.
“Não aceito madeireiros e garimpeiros dentro da minha terra. Quero a floresta em pé”
Em um discurso comovente dirigido ao presidente Joe Biden, o cacique Raoni, a maior liderança indígena do Brasil, mandou um recado claro: “Não aceito madeireiros e garimpeiros dentro da minha terra. Quero a floresta em pé. Eu não estou aqui de brincadeira”, ele disse em vídeo gravado para o evento. Raoni recomendou ao presidente dos Estados Unidos que ignore o que o governante brasileiro tem a dizer, e lembrou que Bolsonaro foi o único presidente do país a agir contra o cacique, reconhecido internacionalmente por sua luta em defesa da Amazônia. (Leia a mensagem completa de Raoni ao final do blog)
A atriz e ambientalista Lucélia Santos também se dirigiu ao presidente estadunidense: “Não sei se você já esteve na Amazônia. Se não esteve ainda, por favor venha. Sem nenhuma ironia, eu digo o seguinte: tem gente na Amazônia, são 30 milhões de brasileiros e brasileiras. Os assuntos relacionados à Amazônia têm que ser discutidos com os povos que estão diretamente ligados à Amazônia. Não existe qualquer possibilidade de você ser bem-vindo negociando a portas fechadas com Bolsonaro”. Lucélia afirmou que Biden inspirou a todos ao retomar as conversas sobre o Acordo de Paris, para então lembrar que Bolsonaro rejeita o tratado internacional do clima.
Bolsonaro não apenas nega o acordo climático como chamou a própria eleição dos Estados Unidos de fraude, conforme lembrou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “A ajuda internacional é sempre muito bem-vinda, mas o dinheiro não pode parar nas mãos desse tipo de gente. O recado final é: governo americano, não confie no governo brasileiro”.
Mensagem do cacique Raoni ao presidente Joe Biden
“Presidente
dos Estados Unidos. Ouça com atenção o que vou falar. Tenho ouvido
muitas coisas ruins, por isso tenho ficado muito triste. Triste por
saber que, de tudo que eu tenho feito em prol do meio ambiente, ele está
sendo cada dia mais ameaçado.
Senhor Presidente, o presidente
deste país tem feito muitas mentiras. Ouça-me. Eu não aceito madeireiros
aqui dentro da minha terra e nem garimpeiros. Quero a floresta em pé,
para que mantenha os animais alimentados.
A minha população
Kayapó tem aumentado a cada dia. Ouça o que estou falando, entenda o meu
pensamento, me ajude e eu também vou te ajudar. Para que possamos
conseguir somente coisas boas, para que as pessoas reconheçam os frutos
do nosso trabalho, pensamentos que estou falando de muito longe, senhor
presidente. Não sei falar seu nome. Mas o meu nome o senhor já conhece.
Eu me chamo Raoni. É isso.
Eu não estou aqui de brincadeira. Eu
sempre lutei pela permanência desta floresta e desta terra. Que seja
intacta. Desde jovem venho falando sobre isso. E os presidentes
anteriores sempre me escutaram. Somente este presidente está contra mim.
Eu não gostei disso, por isso estou falando para o senhor, espero que
me escute onde estiver. Se este presidente ruim falar alguma coisa para o
senhor, ignore-o! Diga que Raoni já falou contigo. Diga apenas isso.
Para ver se ele toma juízo. Ele está querendo liberar desmatamento nas
nossas florestas, incentivando invasões às nossas terras. E eu não estou
gostando nada disso. Quero nossos rios limpos, sem barragens. Para que a
floresta permaneça em pé e para que meus netos e bisnetos possam viver
nela que eu estou pedindo.
Essas minhas palavras são para que
tenhamos paz e harmonia. Para quê nos odiar tanto por causa da terra e
da floresta? Não pode ser assim. Só não quero ver ninguém derrubando a
floresta. Não quero exploração de minérios. Pois tudo que tinha ao nosso
redor, já está acabando. Se não souberam cuidar os seus territórios,
para quê incomodar o nosso que estamos cuidando?
Era isso que
queria dizer! Aperto sua mão de longe. Mando ainda um abraço para o
senhor de longe. Estou doente e triste ao mesmo tempo. Pois muitas
pessoas que eu conheço morreram. Aqui também muitos morreram. Por isso a
minha tristeza. Mesmo estando muito triste, a circunstância me forçou a
falar novamente em público. Não deveria estar fazendo isso, mas estou!
Para que o senhor me escute, reflita e que assim possamos encontrar um
caminho, uma solução melhor para preservar o meio ambiente. Só isso,
obrigado!”
sobre o(a) autor(a)
Mariana Campos
Jornalista do Greenpeace Brasil em Brasília, integra os times de Políticas Públicas e Agricultura & Alimentação. Começou a abraçar árvores ainda criança e não parou mais.
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