por Nilo D’Avila
Um dos principais indigenistas do Brasil, ele dedicou sua vida à defesa dos direitos e territórios dos povos indígenas na região do Purus
Quem trabalhava com meio ambiente ou em apoio aos povos indígenas na região do Purus nos anos 1990 e não passou um tempo na proa do barco da Funai na beira do Purus perdeu uma “viagem” singular. Lá, era fácil encontrar Rieli Franciscato… se ele não estivesse no mato, claro. Um dos principais indigenistas do país, ele acumulou cerca de 30 anos de vivências com indígenas naquela região.
Quando tinha 7 anos, Rieli foi com a família do Paraná para o Mato Grosso. Depois, mudou-se para Rondônia. Uma rota bem conhecida da migração paranaense. Neste último estado, foi viver com a família nos limites da Terra Indígena Rio Branco, do povo Aikanã. Ali, cresceu testemunhando invasões e injustiças. Assim que pôde, foi trabalhar com os Aikanã no combate à invasão madeireira de seu território. Pouco depois foi recrutado para trabalhar com os indígenas isolados.
Conheci Rieli no Purus em 1995 quando fui trabalhar na Operação Amazônia Nativa
(Opan), com o povo Paumari. Rieli era o “cara”! Vigoroso defensor dos índios e de seus territórios, dominava a arte de percorrer a floresta sem trilha. Ele e seu time podiam ficar meses nos confins da Amazônia somente com o que a floresta fornecia. Era profundo conhecedor de seus mistérios e da sua abundância.
Rieli me ensinou a tratar malária, a pescar, a “ler” os caminhos dentro da mata, a pilotar voadeira e a importância de deixar a cidade para trás.
Infelizmente, este amigo e mestre faleceu ontem. Chefe da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, Rieli foi flechado no peito quando, junto com dois policiais, foi averiguar o local onde indígenas isolados tinham sido avistados. Eles entraram na mata em busca de vestígios. Chegou a ser socorrido, mas quando chegou no hospital não havia mais o que fazer.
É profundamente triste perder alguém como Rieli justamente no momento em que os povos indígenas estão sob um dos mais intensos ataques e os direitos constitucionais, arduamente conquistados, são ignorados com o propósito de disponibilizar os territórios ancestrais a serviço de uma elite agrária e garimpeira, que para o governo Bolsonaro significa progresso. Fato é que a resistência secular dos povos seguirá, e de seus apoiadores, como Rieli, também.
Antigo amigo da campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil, Rieli estava no barco Noé IV, em março de 1999, quando foi feita nossa primeira expedição, após a implementação do escritório em Manaus. Subimos os rios Purus, Tapauã e Cuniuã para verificar a instalação do projeto da WTK, madeireira da Malásia, na região. Próximo dos indígenas Isolados do Rio do Sol, dos Hi-merimã e dos Zuruahã, o empreendimento era uma ameaça à existência desses povos. Foi a partir desta expedição que teve início o processo de autodemarcação do território do povo Deni, que já havia sido invadido por esta madeireira. Este foi o primeiro trabalho do Greenpeace com um povo indígena no Brasil.
Não é nenhum exagero afirmar que os povos indígenas Aikanã, Hi-merimã, Zuruahã, Botocudos do Javari e indígenas Isolados do Madeirinha continuam a existir graças à dedicação de, literalmente, a vida deste homem.
O neme (céu) dos Arawá* ganha mais uma amuva (estrela)!
Obrigado por tudo, Rieli!!!!
*Arawá: família linguística de vários povos da Bacia do Purus, como os Suruahá, Deni, Jamamadi, Banswara
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