Wednesday, July 1, 2020

Costurando solidariedade


Como parte de ajuda emergencial a povos indígenas, 40 mil máscaras são produzidas no escritório do Greenpeace em Manaus

Processo de esterilização e embalagem das máscaras doadas pelo projeto Asas da Emergência, no escritório do Greenpeace em Manaus (AM).  © Edmar Barros / Greenpeace

Entre os dias 4 de maio e 26 de junho, no escritório do Greenpeace em Manaus, um grupo de dezessete pessoas formado por costureiras, um costureiro, e voluntários da organização compartilharam horas a fio um trabalho que resultou na confecção de 40 mil máscaras de tecido; peças que são parte de um conjunto de itens que nos tempos atuais se fazem essenciais à garantia da vida. Junto com toneladas de materiais hospitalares e de higiene básica, as máscaras foram levadas a comunidades indígenas amazônicas que hoje estão entre as mais pressionadas pela Covid-19. 

A iniciativa é parte do projeto Asas da Emergência, que integra uma ampla rede de solidariedade e apoio para levar ajuda emergencial a territórios indígenas. Além de integrar essa ação humanitária, o produto que saiu das máquinas de costura revela em seu avesso a conexão entre histórias de vida. Pessoas que talvez nunca venham a se conhecer pelas diferentes realidades e/ou distâncias geográficas, mas que têm suas existências entrelaçadas ao tornarem-se integrantes de uma luta única, a luta pela vida. 

“Eu sei por experiência própria o que é não ter acesso a médicos, a itens básicos de saúde e a muitas outras coisas que esses povos estão precisando neste momento”, diz Eva Abraham Maizo, uma das costureiras que participou do projeto ao referir-se ao enfrentamento da pandemia pelos povos indígenas.

Eva Maizo confeccionando máscaras para ajuda emergencial a comunidades indígenas amazônicas. © Christian Braga / Greenpeace

Eva é venezuelana e está no Brasil há dois anos e meio. A habilidade com as máquinas de costura tem origem nas raízes de sua história. “Minha mãe costura, minhas tias têm um ateliê, e desde pequena eu já convivia com esse ambiente. É um conhecimento de toda uma vida”, diz. Com a chegada do novo vírus, as oportunidades de trabalho como cozinheira e como costureira tornaram-se escassas, e participar dessa iniciativa foi uma solução para o sustento também dos dois filhos. 

“A costura que eu desenvolvi aqui foi para proteger, para ajudar, e chamou ainda mais meu olhar para a importância da colaboração entre as pessoas neste momento. Não foi apenas um jeito de ganhar a vida, mas um jeito de usar meu ofício para contribuir com quem mais precisa”, diz Eva.

No escritório que virou sede dessa produção, todos os padrões de segurança foram tomados para reduzir ao máximo os riscos de exposição ao vírus. Um cuidado que se estendeu desde a garantia de transporte individual a voluntários e equipe de costura, passando pelo distanciamento mínimo necessário entre as estações de trabalho à disponibilização de todos os itens indispensáveis à proteção e higiene. 

Por dia, foram produzidas cerca de 900 máscaras. Os voluntários ficaram responsáveis pelos processos antes e depois da costura, como o corte do tecido e do elástico, a higienização e, por último, a embalagem para encaminhamento das máscaras. 

Matheus Revoredo, ativista e voluntário do Greenpeace, em uma das etapas de produção de máscaras doadas pelo projeto Asas da Emergência, no escritório do Greenpeace em Manaus (AM).

Matheus Revoredo, ativista e voluntário do Greenpeace, dedicou-se diariamente ao trabalho de confecção das máscaras. Hoje, ele afirma sair dessa jornada fortalecido e com esperança. “Essa experiência me trouxe uma sensação de pertencimento a uma causa que é muito grande. Nós, voluntários, e todas as pessoas que trabalharam durante esse período na costura, acabamos construindo um elo que acredito ter se tornado tão forte em razão do objetivo final dessa iniciativa”, diz.

Alguns funcionários do Greenpeace deixaram seus cargos para atuar voluntariamente nessa frente. Ludmila Freire, que coordenou a produção, é uma delas. “Ouvi de uma das costureiras a seguinte frase: essa coisa de ajudar vicia, né? E ela tem razão. A sensação aqui é que a gente construiu uma corrente do bem. Pode parecer clichê, mas é assim que vejo. O trabalho que estamos fazendo no escritório impacta quem está longe, mas de alguma forma transformou também quem está aqui dentro. Está sendo um privilégio poder participar disso. A gente faz com amor mesmo”, diz. 

Maylla Costa também é funcionária que se voluntariou para se dedicar tanto às etapas que antecedem a costura como o processo final de higienização e embalagem. “Mais do que você trabalhar num lugar que você gosta, você está ajudando a levar o básico para quem não tem nada. Eu fico emocionada de participar desse trabalho que é de levar uma coisa pequena, mas que salva a vida dessas pessoas”, afirma.  

A equipe de costura foi dividida em dois turnos, cinco pessoas de manhã e cinco à tarde, das 8h às 14h, e das 14h às 20h. A costureira Geruzete Mafra Cardoso disse que assim que recebeu o convite ficou com um pouco de medo de participar, mas que quando soube de todos os cuidados que seriam tomados e compreendeu a dimensão do projeto, a dúvida foi embora: “Hoje eu digo: como foi bom ter deixado o medo passar”, comenta.

Por trás de uma máscara estilizada por ela mesma, Geruzete entrega no brilho do olhar um sentimento que se reflete em palavras. “Há muito tempo eu não trabalhava num mesmo ambiente com outras pessoas. E aqui senti que estou sendo vista, que meu trabalho como costureira tem valor e que está fazendo toda a diferença. É algo que vou levar comigo para toda a vida, a valorização do meu trabalho. Nenhuma escola vai me ensinar o que eu aprendi aqui”, completa. 

Ribamar Dantas presta serviço como segurança no escritório de Manaus há doze anos, e também entrou para o projeto. “Eu já costurava e na hora que eu soube dessa iniciativa, fiz questão de fazer parte”, conta. O dinheiro que recebeu pelo trabalho era exatamente o que precisava para construir o telhado da casa para onde vai se mudar com a esposa. Quando questionado sobre o que sentiu ao ver as primeiras imagens das máscaras chegando tão longe, a resposta se traduziu em um longo silêncio, olhos baixando, emoção e algumas lágrimas. Tem hora que palavras não são mais necessárias.    

Locais para onde as máscaras foram levadas no estado do Amazonas: Parque das Tribos (Manaus), Tapajós, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga, Lábrea, Itaituba, Cueiras, Bona, Benjamin Constant , Manaquiri, Manaus, Rio Preto da Eva e Novo Airão.

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