Wednesday, July 8, 2020

Boiadas de Salles: a conta chegou


Ministério Público Federal pede afastamento urgente do anti-ministro de Meio Ambiente, por sua conduta contra a floresta e seus povos

Forest Fires in Candeiras do Jamari, Amazon - Second Overflight (2019). © Victor Moriyama / Greenpeace
© Victor Moriyama / Greenpeace

O cerco se fecha ainda mais a Salles e sua política antiambiental. Ontem (06/07), doze procuradores do Ministério Público Federal (MPF) pediram o afastamento urgente do ministro de Meio Ambiente. Ele é acusado, mais uma vez, de improbidade administrativa, ou seja, conduta inadequada na administração pública. Não se trata de incompetência como gestor; sua intenção é a de destruir mesmo. 

Como vimos denunciando há um ano e meio, desde que assumiu o Ministério do Meio Ambiente, as palavras “destruição ambiental” têm sido carimbadas dia sim, outro também, na agenda de compromissos de Salles.

Esta, naturalmente, não é a primeira ação movida contra Ricardo Salles em sua atuação à frente do ministério. O que a difere de todas as anteriores, no entanto, é que o pedido de afastamento do anti-ministro foi enviado à Justiça Federal em Brasília com caráter de urgência, ou seja, Salles deve ser afastado do cargo antes mesmo do caso ser julgado, como medida cautelar. Os procuradores alegam que sua permanência no cargo traria consequências irreparáveis para o meio ambiente. 

Se condenado, Salles terá perda de função pública e suspensão de direitos políticos por cinco anos, além de ter que pagar multa e ficar proibido de firmar contratos com o poder público, entre outras implicações.

A política destrutiva de Salles

“Evidenciada a forma intencional como Ricardo Salles atenta contra a própria pasta, o Ministro deve ser afastado imediatamente. Sua saída não é suficiente para mudar os rumos da política antiambiental promovida pelo governo Bolsonaro, mas é, além de necessária, urgente”, diz Luiza Lima, da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace. 

Os procuradores do MPF agrupam em quatro categorias

os diversos atos nocivos ao meio ambiente conduzidos por Salles, incluindo canetadas defendidas por ele na fatídica reunião ministerial, em que fala em “passar a boiada”. Por sinal, para o MPF, se ainda restavam dúvidas sobre as intenções de Salles à frente da pasta, elas desapareceram quando da publicação do vídeo da reunião. Destacamos alguns pontos abaixo:

1 – Desestruturação normativa

São as canetadas de Salles cujo intuito é enfraquecer normas e leis ambientais. Itens levantados pelo MPF incluem:

  • despacho que Salles emitiu em abril, que diminuiria a proteção da Mata Atlântica. Após ações judiciais contra o despacho, Salles o revogou. Não por mudar de opinião, mas sim para tentar pô-lo em prática por outros meios: o governo entrou com uma ADC (Ação Direta de Constitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal para tentar fazer valer a redução da proteção; 
  • transferência do poder de concessão de florestas públicas do MMA para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa);
  • extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas; e
  • alteração na composição do Comitê de Compensação Ambiental Federal, deixando-a menos técnica e plural

2 – Desestruturação dos órgãos de transparência e participação

Alinhado a duas posturas comuns do governo Bolsonaro, Ricardo Salles não tem interesse em ouvir nem a sociedade nem seus próprios servidores, e faz o que pode para esconder e interferir na divulgação de dados. Os procuradores se basearam nos seguintes atos do anti-ministro, que demonstram que diálogo e transparência são seus inimigos:

  • diminuição da representatividade da sociedade civil em conselhos e esvaziamento do caráter democrático e participativo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama);
  • Lei da Mordaça: para ter controle total sobre a comunicação do MMA, em março de 2019, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) receberam  orientação restringindo contato entre seus servidores e a imprensa, como contamos aqui;
  • exclusão, do site do MMA, de informações com mapas de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade; e
  • interferências na divulgação de dados sobre desmatamento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que resultou na demissão do então diretor do instituto, Ricardo Galvão.

3 – Desestruturação orçamentária

Este item diz respeito às torneiras fechadas ou mal utilizadas para a proteção ambiental, por irresponsabilidade de Salles:

  • cortes orçamentários e custos da Garantia da Lei e da Ordem (GLO): a redução de 25% para o Meio Ambiente trouxe resultados diretos no aumento do desmatamento, o que contribui para queimar ainda mais a imagem do Brasil internacionalmente. Para tentar melhorar a reputação do país, o governo instituiu a GLO, dando às Forças Armadas a incubência de combater crimes ambientais, mas, além do exorbitante orçamento anunciado (R$ 60 milhões para um mês, o equivalente a 80% do orçamento anual de fiscalização do Ibama), os procuradores também mostram que as ações não têm sido efetivas para frear a destruição;
  • paralisação do Fundo Amazônia, uma importante ferramenta para captar e repassar de recursos financeiros para a conservação da floresta. Com novos aportes por seus principais doadores — Noruega e Alemanha — congelados, sem aprovação de novos projetos em 2019 e cerca de R$ 1,6 bilhão paralisados, os procuradores afirmam que a conduta de Salles com relação ao Fundo traz “franco prejuízo ao enfrentamento do desmatamento no Bioma Amazônico”. 

4 – Desestruturação fiscalizatória

Como já denunciamos diversas vezes, Salles está à frente de um desmonte sem precedentes dos órgãos de fiscalização e proteção ambiental, como Ibama e ICMBio, fundamentais no combate à grilagem de terras e outras atividades criminosas na Amazônia e outras regiões do Brasil. 

Ele também usa a estratégia de tirar servidores competentes do caminho: em abril, dias após uma reportagem no Fantástico

(TV Globo) noticiar uma importante operação do Ibama contra o garimpo ilegal em terras indígenas, o diretor do órgão, Olivaldi Borges Azevedo, foi demitido. Duas semanas depois, outros dois servidores do Ibama que estavam coordenando equipes de fiscalização também foram exonerados. Para o MPF, isso é uma evidente retaliação. 

No documento assinado pelos procuradores, eles registram que as consequências das exonerações foram rapidamente sentidas na floresta. A partir de diversas fontes, incluindo notas técnicas enviadas pelo Greenpeace, conclui-se que “[n]os dois meses subsequentes às exonerações, há indícios de que o desmatamento e a degradação voltaram a ganhar força em pelo menos três terras indígenas que vinham sendo fiscalizadas pela equipe coordenada pelos servidores exonerados”.

Os procuradores também sinalizaram os seguintes atos:

  • alteração do sistema de registro de horas trabalhadas e burocratização das atividades, de forma que a fiscalização do Ibama teve de adequar-se a um regime de registro de frequência incompatível com suas funções, em claro prejuízo às ações, uma vez que o atendimento às ocorrências de ilícitos ambientais não necessariamente ocorre durante o horário regular de trabalho; 
  • nomeações de chefias: mora e ausência de critérios técnicos: Salles, além de ter se omitido de seu dever de fortalecer os órgãos de proteção ao meio ambiente vinculados ao MMA, contribuiu para o agravamento da precarização dos recursos humanos desses institutos. Em resumo, Salles demorou para indicar chefias locais nas superintendências do Ibama, enfraquecendo a gestão das unidades locais e, ao fazê-las, colocou nos cargos pessoas sem conhecimento ou experiência prévia que justificassem a escolha; 
  • colocação dos servidores em risco em atividades de campo. 

Esperamos que a justiça seja feita, e de maneira célere. Não faltam provas e elementos técnicos que comprovam o desvio de função de Salles, que deve ser retirado de seu cargo imediatamente. Mas é preciso ir além. É preciso interromper e reverter a política antiambiental do governo Bolsonaro, que gera prejuízos incalculáveis à população, às florestas, à economia brasileira e ao clima global. Como afirmamos após a divulgação do vídeo da reunião interministerial, o Brasil merece mais.

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