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Muitas coisas não faziam sentido: não havia mandado judicial para entrar na casa, os policiais não estavam uniformizados, nem usavam a identificação em seu colete à prova de balas. Os armamentos, entretanto, eram bem reais. Fuzis tão grandes quanto os usados em ambientes de guerra.
Os homens permaneceram lá por cerca de duas horas, sempre com as armas em punho e pressionando os moradores para entrar nas residências sem mandado judicial.
Quando o sol estava perto de se esconder no horizonte, e vendo que a imprensa havia registrado toda a ação, eles decidiram ir embora, não sem antes dizer que aquilo não acabaria assim. Eles voltariam.
Estávamos todos apavorados, não apenas por nós, mas por aquelas pessoas que ficariam ali. Quando será o “depois”? Será que eles voltariam durante a noite? O que teria acontecido se não estivessemos alí? Eu estava em estado de choque, mas imagine o que aquelas pessoas estavam sentindo.  É difícil conceber que pessoas são submetidas a isso, aquilo não era normal. Mas esse é o novo “normal” para essas comunidades e essa é uma realidade dura que temos que lidar.
“Não se preocupem, isso já vem acontecendo há muito tempo, já passamos por isso muitas vezes. Mas agora pelo menos vocês estão aqui para contar a nossa história”. E nessa hora todo mundo “morreu” um pouco por dentro. É isso? O máximo que podemos fazer contra esse “sistema” é contar essa história?
O respeito aos direitos humanos e à proteção ambiental estão profundamente conectados. Os povos indígenas, as comunidades tradicionais e os que estão na linha de frente dessa “expansão a qualquer custo” são os mais afetados pela ganância das empresas, muitas vezes sendo torturados e até assassinados. A soja produzida pela Estrondo, às custas da liberdade e dos meios de subsistência das comunidade geraizeiras, é vendida a comerciantes como Cargill e Bunge e depois enviada para todo o mundo, para se tornar ração para vacas, galinhas e porcos. Empresas de fast food como McDonald’s, KFC e Burger King compram soja desses comerciantes.
Não podemos permitir que essas empresas continuem fechando os olhos  e ganhando milhões, enquanto comunidades inteiras estão sendo impactadas, sob constante ameaça e tendo seus direitos violados. O mundo precisa saber que existem pessoas que arriscam suas próprias vidas para proteger a terra, um rio, o planeta. É preciso mudar agora, antes que seja tarde demais para eles e para todos nós.
*O autor do texto presenciou o episódio de intimidação descrito, ocorrido em maio de 2019, em Formosa do Rio Preto, no oeste da Bahia. A narração corresponde a sua experiência pessoal sobre o ocorrido. Mantivemos o artigo anônimo para preservar a segurança do autor.