Até dezembro de 2015, Regiane vivia da pesca. A lama desceu pelo Rio Doce, matou o rio e ela nunca mais pôde pescar. Hoje, vive com os R$ 1.360 reais que a Samarco paga todos os meses para os atingidos. E desde dezembro de 2015 ela integra o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para lutar pelos direitos das pessoas que, como ela, são impactadas e perdem seus modos de vida ou pessoas.
Poucos dias depois do rompimento da barragem da Vale em Córrego do Feijão, Regiane viajou para Brumadinho para mobilizar os atingidos e contar sua experiência. Também, para explicar quais os direitos que essas pessoas têm e quais deveres a Vale terá daqui em diante.
Em Mariana, esse trabalho do MAB foi crucial para que algumas pessoas pudessem receber algum ressarcimento, apesar de tantas outras ainda continuarem buscando seus direitos. Mas, como Regiane diz, a tragédia em Mariana serviu para que o MAB aprendesse e esteja hoje mais preparado para atuar junto à população de Brumadinho e dos municípios que serão impactados pela lama, que hoje desce o Rio Paraopeba.
A seguir, trechos do depoimento que Regiane deu para o Greenpeace.
“É aconchegante chegar de atingido em atingido e dizer ‘Vamos lutar. Vai ter briga sim’. Estamos juntos porque eu sei o que você está passando hoje. Eu passei por isso. Isso passa força pras pessoas”.
“Quando aconteceu a tragédia em Mariana, no primeiro momento foi um sentimento de desolação e desorientação. Foi quando conheci o trabalho do Movimento dos Atingidos por Barragens e a gente começou a se organizar. Hoje, minha comunidade é uma das que mais teve atingidos reconhecidos pela Samarco”.
“Era uma vila pesqueira e toda economia girava em torno do rio. A gente está atravessando muitos transtornos. Já são três anos de impunidade, de um relacionamento totalmente conflituoso porque eles [a Vale] não reconhecem, não querem pagar, não querem ressarcir os danos materiais das pessoas. Os emocionais são irreparáveis porque toda comunidade pequena que depende de um rio tem um vínculo com esse patrimônio que é muito maior que o financeiro, faz parte da cultura da gente”.
“No dia 25, aconteceu outro crime, de uma dimensão bem maior. Um massacre, né. São muitas vidas. Eu larguei a minha casa e vim aqui pra região de Brumadinho. Vim fazer o trabalho com os atingidos, que é um trabalho de um primeiro momento de solidariedade com as famílias que perderam suas vidas. Se não perdeu alguém, perdeu seu modo de vida. A partir do momento que a gente consegue passar esse sentimento de solidariedade, a gente começa a fazer um trabalho de organização e orientação porque não é fácil”.
“Eu venho de três anos de luta contra a Vale, que não está disposta a ressarcir os danos. A gente não tem visto nada benéfico pra população pobre, pro pescador, pro pé no chão. E os critérios que eles usam pra negociar com os atingidos de Brumadinho são os mesmos que usaram em Mariana. Ele diz ‘eu matei seu filho e eu vou decidir o quanto está doendo”. Eu tirei sua casa, mas eu vou decidir onde você vai viver hoje’.”
“É o momento de quem perdeu tudo decidir? Não, porque ainda não caiu a ficha. É um momento de muita dor e insegurança. As pessoas que estão em hotéis e perderam suas casas dentro de alguns dias vão querer o lugar delas, a história delas. Você chegar e ver um mar de lama a céu aberto e pensar ‘Minha história foi ali. Não tenho a minha carteira de identidade pra provar quem eu sou’ é muito triste.”
“E aí você vê pessoas tripudiando em cima disso como a empresa vem fazendo. É devastador. Mas eu, como atingida do crime de Mariana, me sinto fortificada pra estar fazendo essa luta. Não importa o sacrifício que eu vou ter que fazer.”
“Certeza de que [Brumadinho] vai voltar ao normal a gente tem de que não vai. Pode ter uma melhoria, uma reintegração dessas pessoas no trabalho, na fonte de renda, mas dizer ‘Eu sou atingida por Mariana e estou reconstruindo minha vida e estou feliz’ você não vai ouvir da boca de ninguém. Você não vai ouvir de ninguém.”
“Às vezes a gente chega, como vocês viram, e eu não tenho coragem de tirar a esperança do seu Geraldo de que ele não vai poder plantar mais as hortaliças deles. Ele vai sentir o que eu senti, que muitas pessoas têm sentido. E já é uma pessoa de idade, eu não tenho coragem de ajudar a matar um pedacinho dele porque dói muito.”
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