Não é possível estabelecer um marco legal para o setor sem considerar a transição para o fim dos combustíveis fósseis
 
Plantação de soja no cerrado, em Mato Grosso: como garantir que a maior demanda por biocombustíveis não pressione ainda mais a vegetação nativa? Foto: Bruno Kelly/Greenpeace
 A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que cria a Política Nacional de Biocombustíveis, chamada de RenovaBio. A iniciativa, lançada em 2016, propõe um marco legal para expandir a produção e o uso de biocombustíveis no Brasil, “de forma sustentável e compatível com o crescimento do mercado”. É ai que estão as dúvidas. Na teoria, o uso dos biocombustíveis é positivo como transição para uma matriz energética mais limpa– eles são renováveis e emitem menos poluentes que os combustíveis fósseis, como o diesel e a gasolina. Porém, o projeto de autoria do deputado Evandro Gussi (PV-SP), pouco discutido com a sociedade, tem falhas ao não tratar devidamente pontos cruciais para a adequada regulamentação do setor:
  • Não impede que a vegetação nativa seja ocupada para a produção de biocombustível, como já acontece no Cerrado brasileiro com a soja. O aumento na demanda por biocombustíveis pode ser uma pressão maior no desmatamento. O novo Código Florestal, que deveria responder a isso, está sob ameaça de sofrer novas alterações para se adequar às exigências do agronegócio. 
  • Não traz metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e de poluentes locais (material particulado MP10 e MP2,5) adequadas com as metas do Acordo de Paris. Embora os biocombustíveis poluam menos, a solução é paliativa ao não zerar as emissões, algo que será fundamental a partir de 2050, se quisermos limitar o aquecimento global a 1.5º C. 
  • Não estabelece um cronograma que garante a descontinuidade de combustíveis fósseis na geração de energia e no transporte. O mundo desenvolvido já planeja o fim do motor à combustão para antes de 2050. Como ficará o mercado internacional para biocombustíveis em um mundo predominantemente elétrico?
 A devida regulamentação do setor de biocombustíveis deve acontecer atendendo, portanto, aos critérios estabelecidos pelo Brasil no Acordo de Paris. Sendo assim, é imprescindível que este projeto de lei estabeleça metas claras rumo à emissão zero dos setores de energia e transportes para garantir o limite mínimo de aquecimento. Esta é a melhor oportunidade de regulamentar o setor fundamental para a transição que deve, primeiramente eliminar os combustíveis fósseis, para então, eliminar por completo todas as emissões de poluentes.
Davi Martins é engenheiro e especialista em Mobilidade Urbana do Greenpeace