Em mais um exemplo de descaso e desrespeito do poder público com os
direitos dos povos originários, principais impactados não são
consultados sobre ferrovia de mais de mil quilômetros de extensão
Delegação de lideranças Munduruku se concentram na manhã de
hoje (4) para protestar contra a audiência pública do Ferrogrão
(Reprodução)
Marcada para hoje (4) em Itaituba (PA), uma audiência
pública deverá analisar os estudos de viabilidade técnica da ferrovia.
No entanto, nenhum encontro para tratar do licenciamento ambiental da
obra de 1.142 quilômetros de extensão foi agendado com os povos
indígenas e os povos tradicionais da região. Isto é, o maiores afetados
estão sendo completamente ignorados.
Com os custos estimados em mais de R$ 10 bilhões, a
Ferrogrão, ferrovia de transporte de grãos que liga os municípios de
Sinop (MT) e Itaituba, é uma grande dor de cabeça para diversos povos
indígenas, que em nenhum momento do processo foram consultados sobre a
obra e seus impactos.
Temendo que esta seja a única oitiva pública, a proposta do
povo Munduruku, uma das etnias que terão suas terras afetadas pela
obra, é bloquear a audiência pública e exigir uma consulta segundo os
moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da
qual o Brasil faz parte.
Uma delegação de indígenas Munduruku está em frente ao
local da audiência, marcada para acontecer na Faculdade de Itaituba na
manhã desta segunda-feira, para protestar contra a obra e a falta de
transparência do poder público.
Leia abaixo, na íntegra, a carta do povo Munduruku:
Nós, caciques, lideranças, pajé, guerreiros e
guerreiras do povo Munduruku do médio Tapajós, exigimos que a Agência
Nacional de Transportes (ANTT) consulte nosso povo Munduruku e todos os
povos indígenas e ribeirinhos que vão ser impactados pela Ferrovia do
Grão (Ferrogrão) desde Sinop, no Mato Grosso, até Itaituba, no Pará.
Nós temos o direito de consulta prévia, livre e
informada como garante a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), da qual o brasil é signatário. Mas o governo brasileiro
insiste em não respeitar a própria legislação interna e internacional
que criam e fazem parte. SAIBAM QUE NÓS VAMOS CONTINUAR LUTANDO POR
NOSSOS DIREITOS ATÉ QUE SEJAM CUMPRIDOS!
O Ministério Público Federal já recomendou à
ANTT que as audiências fossem canceladas até que as consultas fossem
realizadas e que se tenha dimensão dos impactos que isso vai causar para
nós indígenas, para nossos companheiros de luta beiradeiros e para as
Unidades de Conservação.
Na Convenção 169, no artigo 6°, diz: “consultar
os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez
que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis
de afetá-los diretamente”, bem como que “as consultas realizadas na
aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira
apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e
conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”.
Nós não fomos consultados, os beiradeiros não
foram consultados e nossos parentes de outros povos também não foram.
São pelo menos 19 áreas indígenas durante todo o percurso da ferrovia
que serão impactados e AUDIÊNCIA PÚBLICA NÃO É CONSULTA PRÉVIA, LIVRE E
INFORMADA. Não tentem nos enganar de que esse é o cumprimento da
convenção 169, NÓS SABEMOS DOS NOSSOS DIREITOS!!! É para isso que nós
temos nosso protocolo de consulta, é por isso que Montanha e Mangabal e
Pimental também têm o seu, lá nós falamos de como a consulta deve
acontecer com nossos povos.
Nós não vamos mais aceitar que mais uma vez
vocês Pariwat venham com esses projetos pensados por vocês e que querem
impor para nosso povo, sem ser discutido, sem consultar e sem considerar
os impactos no nosso modo de vida, em nossos territórios, nos nossos
lugares sagrados e dos nossos parentes. Nossa floresta grita, o pajé
sabe que ela está precisando de ajuda, mas vocês Pariwat não sabem o que
é isso. Vocês só querem destruir, para construir empreendimentos que
acabam com a floresta, e para expandir o agronegócio na nossa região,
acabando com nossas árvores e com nossa biodiversidade para colocar no
lugar milhares de quilômetros de soja. NÓS NÃO VAMOS DEIXAR ISSO
ACONTECER!!!
Nós, mulheres, nos reunimos no nosso segundo
encontro na aldeia Sawre Muybu. Nós estamos vendo que os Pariwats estão
destruindo nossos rios e nossas florestas, e nós nos preocupamos com
nossos filhos. Nós vamos lutar junto com nossos guerreiros, contra
hidrelétrica, contra ferrovia, contra tudo que vier em nome da
destruição!
SAWE!!!
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