Apesar de inúmeros problemas sociais, ambientais e econômicos, governo insiste na construção de hidrelétricas na Amazônia
Construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (© Carol Quintanilha/Greenpeace)
Belo Monte também nunca foi muito boa com suas
contas. Inicialmente, a obra era estimada em R$ 16 bilhões, valor que
pulou para R$ 19 bilhões no momento do leilão e que hoje já soma cerca
de R$ 30 bilhões. Tudo financiado com dinheiro público. Para piorar,
estudos do próprio governo revelam que os efeitos das mudanças
climáticas nas próximas décadas podem levar a reduções nas vazões dos
rios amazônicos da ordem de 20% a 30%, mostrando que são grandes as
chances da usina não conseguir entregar a energia prometida. A conta não
fecha.
No entanto, mesmo antes do fim das obras desta
usina-desastre, o governo eleito em 2014 já acelerava os planos para
insistir no erro e erguer mais uma grande barragem no coração da
Amazônia: a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Este novo projeto não
apenas prevê a repetição dos problemas de Belo Monte, como adiciona na
conta um conjunto de impactos ambientais incalculáveis, além de ferir a
Constituição.
O
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da nova usina apresenta graves
problemas metodológicos e omissão de informações, falhando em medir
adequadamente os impactos da obra. Se realizado de forma correta, o
estudo mostraria a inviabilidade da hidrelétrica. A
obra também alagaria 376 km² de floresta. Parte desta área encontra-se
dentro dos limites da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, o
que causaria a remoção de seus habitantes, fato que é proibido pela
Constituição. Além disso, São Luiz do Tapajós tem potencial de induzir o
desmatamento em uma área de pelo menos 2.000 km² de floresta, num
cenário repleto de terras indígenas e unidades de conservação.
E os problemas não param por aí. Como já visto nos
exemplos recentes de hidrelétricas construídas na Amazônia, como Belo
Monte, Santo Antônio e Jirau, os valores finais deste tipo de obra podem
ser muito diferentes do inicialmente projetado. Em Belo Monte, a obra
terminou custando quase o dobro do originalmente previsto. Em 2014,
Tapajós foi estimada em R$ 28 bilhões. Nada garante que este projeto não
seguirá o mau exemplo financeiro de Belo Monte. E, no caso de Tapajós,
considerando todas as incertezas jurídicas e impactos não medidos, o
resultado final pode ser ainda pior. Vale lembrar ainda que os
mesmos estudos indicando a redução na capacidade de geração de energia
para Belo Monte também valem para Tapajós.
Com tantas incertezas, a usina torna-se um
investimento de altíssimo risco econômico. Já do ponto de vista social,
ambiental e estratégico, ela simplesmente não faz sentido. O Brasil
tem plenas condições de gerar o mesmo montante de energia de forma mais
limpa e com o uso de novas tecnologias, evitando surpresas de custo e
entrega, gerando empregos e sem os riscos da insegurança jurídica e
impactos negativos que uma barragem no coração da floresta Amazônica
oferece.
Tapajós prevê uma potência instalada de 8.040 MW e a entrega de 4.012 MW médios de energia ao sistema. Com
os incentivos corretos, fontes de energia como eólica, solar e biomassa
poderiam, de forma combinada, suprir a energia projetada pela
hidrelétrica, no mesmo período de tempo e em patamar similar de
investimento. Adicionalmente, estas novas fontes de
energia encontram-se em pleno desenvolvimento tecnológico e de mercado, o
que barateia seus custos a cada ano. Entre 2009 e 2012, o preço médio
da fonte eólica caiu cerca de 40%. Atualmente há no país quase 3 GW em
usinas eólicas em construção nos estados da Bahia, Ceará, Piauí, Rio
Grande do Norte e Rio Grande do Sul, além de outros 6 GW cuja construção
deve ser iniciada em breve. Somado ao que já existe em usinas eólicas
em funcionamento hoje, isso é mais do que duas vezes a usina de São Luiz
do Tapajós.
Recentemente, a empresa franco-belga Engie, uma das
gigantes mundiais do setor de energia, anunciou sua disposição de
investir R$ 8 bilhões no Brasil nos próximos cinco anos. O foco é a
energia solar distribuída. Hidrelétricas estão fora dos planos. Em 2015 a
China alcançou dois novos recordes mundiais de energia limpa, por
instalar 30,5 gigawatts (GW) de energia eólica e 16,5GW de energia
solar.
Diante de todos os problemas que apresenta, e frente
ao avanço de novas tecnologias na área de energia, a hidrelétrica de
Tapajós soa, no mínimo, irracional. Estamos agora no momento certo para
corrigirmos o curso dessa história. A retração econômica e da demanda
de eletricidade – que caiu 8% em 2014 e 2% em 2015 – retira o senso de
urgência do projeto de Tapajós, representando uma oportunidade para
planejar a energia que o país realmente necessita e quer gerar. É hora
de se preparar para a retomada futura da economia e, consequentemente,
da demanda energética, investindo em fontes verdadeiramente limpas, e
que façam sentido do ponto de vista social, econômico e ambiental.