Izabella Bontempo, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Marcelo Laterman, Greenpeace Brasil
O “Acordão” da Vale exclui participação das populações atingidas, que seguem lutando por reparação e justiça
Há exatos dois anos, em 25 de janeiro de 2019, rompia-se a barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG. Uma enxurrada de lama e dor, resultado da negligência de um poder público omisso e de uma empresa criminosa, a Vale S.A, responsável pelo rompimento da barragem.
O golpe mais duro de um desastre anunciado. Pouco mais de três anos antes, no caso de Mariana, com a mesma Vale S.A. envolvida, o Movimento dos Atingidos por Barragens, o Greenpeace, as atingidas e os atingidos alertaram que o Brasil viraria uma “Fábrica de Marianas” se o país seguisse nos trilhos da desigualdade, premiando quem destrói e matando quem cuida.
Infelizmente, hoje somos uma fábrica de destruição capitaneada por um governo que institucionaliza a impunidade. Mas mesmo que se esforcem em desmontar os órgãos de fiscalização e controle, fragilizando cada vez mais a legislação ambiental e os espaços de participação popular, no meio de tanta lama, floresce um movimento por justiça. E a voz das pessoas atingidas será mais forte que a caneta, pois ela pressupõe uma jornada de luta pela sobrevivência.
Por isso, hoje, quando se completam dois anos de um dos maiores crimes da história do país, vimos manifestar que esse crime não será esquecido e que a mineração continua assombrando as comunidades. Mas é também um dia de homenagear todas as vidas perdidas e as que ficaram e seguem lutando por justiça.
Os crimes da Vale não foram punidos de forma exemplar e justa. Pelo contrário, pune-se as vítimas, privadas de participação no processo judicial de reparação, enquanto se forja um “acordo” entre Estado e empresa, protegido sob sigilo de justiça.
O “Acordão” da Vale
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a população da bacia do Rio Paraopeba foram surpreendidos no dia 22 de outubro de 2020 com a notícia de que a empresa Vale S.A., o Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça estavam realizando um grande “Acordão”
que decidia o futuro das indenizações e a vida dos atingidos na região.
O levantamento estimado pela Fundação João Pinheiro para os valores de reparação ao Estado totaliza R$54,7 bilhões, e foi protocolado em agosto de 2020, na 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, conduzidas pelo juiz Elton Pupo Nogueira.
Porém, a empresa Vale propôs o pagamento de apenas R$ 21 bilhões, dos quais R$ 16,45 bilhões incluiriam a realização das obras do metrô e Rodoanel em Belo Horizonte, R$ 3 bilhões previstos para a recuperação ambiental, além dos R$ 2,2 bilhões já gastos em indenizações para os cerca de 8 mil atingidos/as.
O “Acordão” é um escândalo porque além de não permitir a participação efetiva dos atingidos nas mesas de negociação e nas tomadas de decisão sobre seus direitos, as discussões sobre reparação de danos não atendem às questões emergenciais (auxílio emergencial, fornecimento de água, indenizações) que garantiriam as condições de vida até a reparação integral.
Além da empresa, temos do outro lado o Governo de Minas Gerais, de Romeu Zema (NOVO) que sob o comando de um estado financeiramente falido parece buscar dinheiro fácil para fechar o caixa, acordar obras na capital, e tentar a reeleição como quem fechou um acordo bilionário “em nome dos atingidos”.
Vai ter luta
Mesmo em meio à pandemia, os atingidos e atingidas da bacia do Paraopeba garantiram luta e resistência
na porta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Com máscaras e álcool em gel, marcaram presença em frente ao tribunal, nos horários das reuniões da mesa de negociação, em manifesto ao acordo. A denúncia, a pressão e a união do povo demonstraram a força dessas pessoas que, mesmo em luto, lutam pelos seus direitos.
Para os atingidos, um acordo para a reparação dos crimes deve ser feito, mas nas formas justas, que cumpram com os valores estimados, atendam as demandas dos atingidos e os mantenha como protagonistas da reparação.
A luta por justiça é um exercício diário de amor e ética, como fazem tantas mulheres e homens da bacia do Paraopeba há 730 dias, desde o rompimento da barragem.
A luta e a organização do povo são o único caminho possível para vencer aqueles que colocam o lucro acima da vida.
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