Tuesday, January 30, 2018

Uma história sobre cocô e vícios sociais

Postado por rvillar
Por Rosana Villar
Não faz muito tempo. Lembro que acordei naquele dia já sentindo o que viria a descobrir, e não deu outra: positivo. Eu definitivamente estava grávida e isso mudaria tudo na minha vida. Tudo mesmo, inclusive a alimentação. E faz tão pouco tempo, o dia que comi berinjela e o mundo simplesmente não acabou.

Tudo começou quando ela nasceu, a Ramona. Como toda mãe de primeira viagem, fiquei totalmente neurótica. Mas no final você acaba aprendendo que é preciso estar atento a basicamente três sinais: temperatura, alimentação e evacuação. Ou seja, se seu filho não tem febre, come bem e faz cocô, fica tranquila e segue o jogo.
Tracei minha estratégia de trabalho como Mãe com base nisso. Foi só identificar o padrão, fazer os cálculos e garantir que todos os níveis ficassem dentro do esperado. Mas um dia, quando ela já estava com idade para comer comida de verdade, a casa caiu. Acabou o cocô. Sem fraldas sujas, nada de merda. Nadinha, por dias. Daí bate o desespero, a criança com dor. Uma loucura.
Até que numa conversinha com o médico do plantão, em uma madrugada caótica qualquer, ficou decretado: você precisa diversificar a alimentação para regular o intestino do seu bebê.
Mas esse texto não é sobre cocô – poderia ser, e você ficaria ultrajado. Se trata de contar como essa experiência me fez revisitar um monte de verdades absolutas e experimentar uma dimensão de sabores até então desconhecida.
Naquela época, minha referência de boa alimentação era o Virado a Paulista, um prato popular em São Paulo, montado com arroz, tutu de feijão, couve, ovos fritos e uma bisteca de porco bem gigante por cima de tudo. Sou paulista e na minha família tem uma “coisa” de que tem que ter carne na mesa em todas as refeições. A tal da mistura. Carne em todas as refeições, é muita carne.
Uma alimentação balanceada e cheia de cor é a melhor pedida.
Não existe um consenso na ciência quanto à necessidade de “comer carne”. Enquanto alguns estudos mostram os benefícios de fazê-lo – há quem diga que acelerou até nossa evolução! – outros apontam para a insustentabilidade de continuarmos a consumi-la nos níveis atuais.  Mas há um ponto em que todos concordam: o segredo para uma boa alimentação é a diversidade.
No “Guia Alimentar para a População Brasileira”, do Ministério da Saúde, recomenda-se a ingestão de no máximo 200 gramas de proteína animal por dia - para carne vermelha essa quantidade é ainda menor. Vegetais, frutas, grãos e tubérculos, por outro lado, tem passagem quase livre para o cardápio. Isso significa que o ideal seria comermos apenas um bife OU uma coxa de frango OU um sanduíche de presunto com ovo por dia. UM Só. Eu comia muito mais que isso.
Para facilitar a vida da minha filha, tive que fazer algo drástico: cortar a carne pela metade e incluir variedade. Confesso que foi mais difícil para mim do que para ela. Porque, aí eu me toquei, comer carne, além de alimentação, é uma construção social. Um costume, que você se habitua sem nem perceber.
A oferta de comida nos mercados aumentou, a carne ficou mais barata, ficou normal. Está no bacon do café da manhã, no croissant de presunto, no almoço de lasanha a bolonhesa, no sushi levinho, na canja da vovó. Está em tudo e a gente sequer sabe de onde vem! Não é mais sobre se alimentar, é só mais um vício social.
Quantas vezes você se perguntou de onde veio a carne? Já parou para pensar na quantidade de carne que você come?
E a gente quase esquece que parte de qual bicho estamos comendo. Ou procuramos não pensar sobre isso ou sobre os impactos que isso produz no resto do mundo. Mas esse tempo precisa acabar, porque não faz bem para nada nem ninguém. Precisamos ressignificar o consumo de carne e reduzir. Dar à coisa a importância que a coisa tem, afinal, ainda estamos falando de outros seres vivos. Caramba, sejamos honestos, um índio respeita mais sua caça do que você o seu hambúrguer e isso diz muito sobre nossos valores, não diz?
Para mim, reduzir o consumo de carne foi sobre melhorar a variedade e a qualidade do que minha família consumia. Foi aos poucos, com muitos erros e acertos. Muitas receitas de internet. Começou com a segunda. Depois entrou a terça e a quinta. Daí vieram os temperos e as abóboras! Você não pode imaginar a quantidade de coisas que são possíveis de fazer com uma abóbora.
No caminho aprendi a cozinhar e inventar um monte de coisas gostosas. A gente ainda consome carne em casa, principalmente peixe – moramos no Amazonas. Mas agora é diferente, são ocasiões realmente especiais e cada vez menos frequentes.
Quanto ao cocô da minha filha – se é que isso ainda é do seu interesse – fico satisfeita em dizer que vai bem, obrigada. Parece que foi ontem, faz tão pouco tempo que experimentamos shimeji pela primeira vez, e gostamos!

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