Greenpeace responde artigo de José Goldemberg publicado no Estadão
Pássaros sobrevoando o Rio Tapajós, na região da Terra
Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará, onde o governo planeja
construir uma série de hidrelétricas. (©Valdemir Cunha/Greenpeace)
O artigo parte da perspectiva de que a posição contra
as hidrelétricas e os transgênicos seria sustentada por ambientalistas
mal informados. No entanto, o próprio autor faz mau uso de informações
em seus pontos de defesa em relação a ambos.
Ao sugerir que a baixa densidade populacional da
Amazônia seria justificativa para a construção das hidrelétricas no
local, além de relativizar os direitos constitucionais de milhares de
cidadãos impactados direta e indiretamente por essas obras, Goldemberg
não leva em consideração os problemas socioambientais desses
empreendimentos. Vale lembrar que as usinas em biomas frágeis como a
Amazônia alagam importantes áreas de florestas ainda muito conservadas
que abrigam fauna e flora raras ou até em extinção e causam graves
consequências para o equilíbrio ecológico do bioma.
Proteger a Amazônia é importante não só para quem vive ali,
mas também para o resto do Brasil e do mundo. Não por acaso,
hidrelétricas recentes como Belo Monte enfrentaram enorme oposição de
pessoas ao redor do mundo. E mais de 1,2 milhão de pessoas também se
posicionaram contra a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
Trata-se de uma população urbana que questiona a viabilidade desses
empreendimentos e pede por soluções mais sustentáveis – e
verdadeiramente limpas – como a solar e a eólica, que, felizmente, já são realidades possíveis.
Sobre as hidrelétricas com reservatórios, é importante
ressaltar que o que as impede de serem construídas hoje em dia na
Amazônia são as próprias restrições técnicas por conta do nível da queda
d’água dos rios da região, e não apenas os protestos – legítimos – dos
removidos para dar lugar ao lago, como faz entender Goldemberg. Além
disso, mesmo os grandes reservatórios estão sujeitos a riscos
hidrológicos cada vez mais frequentes (redução de 25% a 55% na vazão no
caso de Belo Monte e 20% a 30% no Tapajós até 2040, conforme relatório
da Secretaria de Assuntos Estratégicos). Vale lembrar que este déficit
hidrológico provocou considerável aumento no uso das térmicas nos
últimos verões, o que se reverteu no aumento da conta de luz paga pelo cidadão brasileiro.
Desta forma, concordamos que cabe ao poder público
avaliar os interesses do total da população, mas isso deve ser feito no
sentido de garantir que a energia que chega à casa dos brasileiros seja
verdadeiramente limpa e sustentável e apresente transparência e
economicidade, ao contrário do que vimos nos projetos de Belo Monte ou
mesmo de Angra 3, que feriram o caixa da União com desvios milionários
de corrupção.
Vale lembrar ainda que o setor elétrico e as
empreiteiras, que têm interesse nos grandes projetos de hidrelétrica na
Amazônia são muito bem organizados para empurrar as hidrelétricas a
qualquer custo para a população, enquanto os que são afetados por essas
obras muitas vezes têm seus direitos violados sem sequer conseguirem ter
acesso à Lei. A tentativa de desqualificar ou criminalizar a atuação
dos movimentos sociais não é o melhor caminho, principalmente em se
tratando de um contexto em que denúncias de violação de direitos humanos
são recorrentes, como pôde ser visto em Belo Monte.
A despeito da sobra temporária de energia e
sobrecontratação de usinas no Brasil, a discussão sobre a transição da
matriz elétrica rumo a energias verdadeiramente limpas segue na pauta. É
possível almejar uma matriz elétrica que atenda ao consumo que o país
precisa sem fontes fósseis, energia nuclear ou novas hidrelétricas na
Amazônia e garantindo a segurança de suprimento com uma boa distribuição
de eólicas, solares e biomassa pelo território. Esta proposta será
apresentada na nova edição do relatório Revolução Energética, do
Greenpeace, no próximo dia 23.
No que diz respeito aos organismos geneticamente
modificados, a regra no Brasil é a liberação de transgênicos comerciais
por meio de processos em que a ciência é, muitas vezes, relativizada e
predomina a aprovação ‘custe o que custar’. Para se ter uma ideia, até
hoje a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão
responsável pela deliberação sobre liberação de transgênicos no Brasil,
nunca negou a aprovação comercial de nenhum transgênico, assim como
também não fez uma análise séria da situação de biossegurança no Brasil,
mesmo após mais de 10 anos de existência como instância deliberativa.
Um bom exemplo desta situação é o eucalipto, cujos riscos apontados por
especialistas (incluindo um pesquisador da própria Universidade de São
Paulo, de onde vem o professor Goldemberg) foram ignorados.
O suposto sucesso do uso de transgênicos mencionado por
Goldemberg deve ser olhado com muito cuidado. A resistência de plantas
indesejáveis nas lavouras cresceu enormemente, e com isso cresceu a
quantidade de agrotóxicos aplicados. Não à toa somos os maiores
consumidores globais de agrotóxicos, dos quais quase a metade vai para
lavouras transgênicas (relatório Dossiê ABRASCO, 2015).
Sobre a carta dos cientistas que receberam o Prêmio
Nobel, voltamos a dizer que o chamado arroz dourado (que conteria doses
de vitamina A) sequer existe fora dos laboratórios, apesar de mais de 20
anos de estudo. É uma cultura que se mostrou inviável por si só.
O descaso com a situação dos transgênicos no país é
tanto que nem mesmo existem dados oficiais sobre a área plantada com
transgênicos, utilizando-se, via de regra, as estimativas da própria
indústria. Tudo isso leva organizações como o Greenpeace (e muitas
outras) a questionarem os organismos geneticamente modificados. De fato,
esperamos que a ciência sobre avaliação de impactos de transgênicos
avance no Brasil.
Por fim, é fundamental que o óbvio seja dito: o
Greenpeace não se opõe à ciência. É ela que nos alerta sobre os riscos
de um planeta mais quente, dos efeitos de um desastre nuclear ou do
custo da perda de nossa biodiversidade. A organização também reafirma
sua posição de compromisso com o princípio da precaução, que, como
colocado pelo próprio professor, já se mostrou útil para prevenir
desastres ambientais e sociais.
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