Wednesday, August 17, 2022

Violência contra os povos indígenas: invasões e exploração ilegal aumentam pelo sexto ano seguido

Jorge Eduardo Dantas  

Em 2021, foram registrados 305 casos, quase três vezes mais do que o registrado em 2018

Protesto feito na Marcha das Mulheres Indígenas, ocorrida em setembro de 2021 em Brasília (DF). Foto: Hellen Loures/CIMI

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) lançou nesta quarta-feira (17) a mais recente edição de seu relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, que é publicado todos os anos e compila dados sobre violações aos direitos dos povos originários de nosso país. Desta vez, o documento trouxe dados de 2021 e revela o que quem acompanha o assunto verifica na prática: o terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro representou o agravamento de um cenário que já era muito difícil e violento para os indígenas brasileiros

O relatório registrou aumento em 15 dos 19 tipos de violência mapeados pelos técnicos do CIMI. Foram registrados 176 assassinatos de indígenas em 2021 – apenas seis a menos que em 2020, o ano com o maior número de registros deste tipo de crime. Entre 2015 e 2019, a média era de 123 indígenas assassinados por ano. Em 2021 registrou-se também o maior número de suicídios indígenas dos últimos oito anos, com 148 ocorrências.

Clique aqui para acessar o relatório

Hoje, 62% das Terras Indígenas reclamadas pelos povos ainda não foram demarcadas. Foto: Hellen Loures/CIMI

Foram reunidos no relatório dados sobre “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”. Em 2021, foram registrados 305 casos do tipo – quase três vezes o que foi verificado em 2018. Este é o sexto ano consecutivo de aumento deste tipo de violência. Ano passado, 226 Terras Indígenas, em 22 estados diferentes, registraram invasões e exploração ilegal. Em 2020, foram registrados 263 casos.

Casos como o dos povos Yanomami, em Roraima, e Munduruku, no Pará, mostram bem o aumento da truculência perpetrada por garimpeiros, madeireiros e grileiros dentro dos territórios.

Na aldeia Yanomami Palimiú, integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC envolvidos com o garimpo desferiram tiros contra comunidades, instaurando um clima de terror. Houve pelo menos 16 ataques do tipo na região. Duas crianças morreram afogadas após serem arrastadas pela correnteza de uma draga que operava em frente a uma comunidade. O povo Munduruku, por sua vez, teve a sede de sua associação de mulheres atacada, lideranças recebendo ameaças de morte e uma delas, Maria Leusa, chegou a ter sua casa incendiada. Nos dois territórios, o aumento da atividade garimpeira foi aterrador e implacável – foram ao menos 44 territórios originários que registraram danos causados pelo garimpo em 2021.

Violência religiosa

Por conta da relação diferenciada que os povos indígenas têm com seus territórios, vale lembrar que a não demarcação de Terras Indígenas é em si uma violência. De acordo com o CIMI, das 1.393 Terras Indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos que não contam com nenhuma providência do poder público para dar início ao processo de demarcação.

A violência religiosa também foi mapeada pelo CIMI – cinco casos de queima de Casas de Reza ocorreram ano passado: quatro no Mato Grosso do Sul, envolvendo os povos Guarani e Kaiowá; um no Rio Grande do Sul, envolvendo os Guarani Mbya.

Feminicídios

Os registros de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 355 casos – maior número verificado desde 2013, quando houve uma mudança na metodologia da compilação dos dados. Em 2020, foram 304 casos. Os estados que registraram maior número de assassinatos foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32). 

Para exemplificar esta violência, o relatório lembra dos assassinatos do professor Isac Tembé, morto por policiais militares enquanto caçava numa área próxima ao seu território; e Didi Tembé, também morto a tiros, após ser perseguido, em outro episódio que ainda não foi totalmente explicado. O povo Tembé habita a Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará.

Não é possível esquecer também do que ocorreu com Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de 11 anos; e a Kaingang Daiane Griá Sales, de 14 anos. Ambas foram estupradas e mortas de maneiras cruéis e suas mortes causaram grande indignação por todo o país. Esses feminicídios motivaram manifestações da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Os técnicos do CIMI chamaram atenção para a crueldade das mortes registradas em 2021. Foto: Hellen Loures/CIMI

Povos Isolados

O CIMI registrou ainda 847 mortes de indígenas por covid-19, grande parte delas em cidades, acampamentos e retomadas. O relatório chamou a atenção para o elevadíssimo número de subnotificações neste tipo de ocorrência – visto que a Secretaria Especial de Saúde (Sesai) se recusou por um bom tempo a atender indígenas não-aldeados, desobedecendo uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). 

O governo Bolsonaro também ameaçou de maneira grave os povos isolados: algumas portarias de restrição de uso vêm sendo renovadas por períodos muito curtos, de apenas seis meses. Existem também portarias que não foram renovadas, como a referente à Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, que está sem proteção desde dezembro de 2021. Além disso, 28 Terras Indígenas que apresentam sinais de povos isolados registraram sinais de invasão ano passado. 

Política deliberada

Vale lembrar que essas violências não ocorrem ao acaso: elas são resultado de uma política deliberada de desrespeito e atentado aos direitos dos povos indígenas. Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma Terra Indígena – descumprindo seu dever constitucional de zelar e defender esses territórios. Ele é o primeiro presidente após a redemocratização a fazer isso. Além disso, suas falas permissivas com os crimes ambientais empoderam criminosos, que intensificaram o nível de violência praticado dentro das Terras Indígenas.

No âmbito legislativo, os povos originários lutam contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que abre as terras já demarcadas à exploração predatória; e o PL 191/2020, que pretende liberar a mineração dentro dos territórios ancestrais. Isso sem falar na mobilização contra o Marco Temporal, que prossegue no Supremo Tribunal Federal (STF).  

É importante mencionar também o caráter autoritário do governo, que tentou criminalizar lideranças indígenas por meio da Polícia Federal ano passado; e o aparelhamento da Funai, que passou de entidade protetora dos indígenas para se ocupar da tentativa de abrir as riquezas naturais desses territórios para a iniciativa privada.

Genocídio

No lançamento do relatório, num evento ocorrido em Brasília (DF), o líder indígena Adriano Karipuna, de Rondônia, falou da situação vivida hoje pelos povos tradicionais no Brasil: “É com muita tristeza que nós, os Karipuna, viemos mais uma vez denunciar a situação que acontece no nosso território. Denunciamos desde 2017 as invasões de grileiros e madeireiros. Eles já fizeram inúmeras ameaças, de que vão invadir as aldeias e matar nosso povo. Já acionamos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não se faz nada. A quem podemos pedir socorro?”.

Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou: “Lançar este relatório é sobretudo acreditar na verdade. Para construir a democracia que queremos, precisamos combater a mentira e as fake news. Então trazer esses dados e organizar essas informações é acreditar e apostar na verdade, doa a quem doer”.

Friday, August 12, 2022

Alertas de desmatamento de julho na Amazônia fecham mais um ano de destruição


 Greenpeace Brasil

De agosto de 2021 a julho deste ano, o monitoramento do sistema Deter, do Inpe, identificou 8.590 km² de alertas de desmatamento na Amazônia

Porto Velho, Rondônia. O Greenpeace realizou sobrevoos no sul do Amazonas e no norte de Rondônia para monitorar desmatamento e queimadas na Amazônia em julho de 2022. © Christian Braga / Greenpeace

Dados do sistema DETER, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (12), apontam para 1.487 km² de alertas de desmatamento no mês de julho na Amazônia. Trata-se do 4° maior número da série histórica, perdendo só para os anos anteriores do atual governo.

No acumulado de 1° de agosto 2021 a 31 de julho 2022,  período em que a taxa anual do desmatamento é medido, os alertas apontaram para uma área total desmatada de 8.590  km², uma pequena queda de 2% em relação ao ano passado. Analisando os últimos três anos, entretanto, foram em média 8.862 km² de alertas por ano, área 65,6 % maior que os 5.351 km² de média dos três anos anteriores.  

“O que chamou atenção nos sobrevoos que realizamos neste último ano, além do avanço do desmatamento, é a quantidade de grandes áreas desmatadas em terras públicas não destinadas, em propriedades privadas e até mesmo em áreas protegidas. Isso reitera que o desmatamento da Amazônia não é fruto da pobreza e do desespero de pessoas em situação de grande vulnerabilidade. Trata-se de esquema organizado, patrocinado por grandes proprietários e grileiros de terra que sentem-se  protegidos pelo derretimento das políticas de proteção ambiental e combate ao desmatamento que ocorreram nos últimos anos”, afirma Rômulo Batista, porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Rômulo refere-se ao alto custo para realizar o desmatamento e a queimada de grandes áreas. A Amazônia não pega fogo sozinha, o fogo tem quase sempre origem na ação humana, que o utiliza no processo de desmatamento, para queimar restos da floresta desmatada ou enfraquecer áreas degradadas. O processo para se desmatar uma grande área pode levar meses. Mas o rápido desmatamento e queimada de grandes áreas necessita de grande investimento, custando em média R$2 mil por hectare. 

No período de 1° agosto 2021 a 31 de julho 2022,  os estados que mais desmataram foram o Pará, que registrou 3.072 km² (35,7% do total), seguido pelo Amazonas com 2.292 km² (26,7% do total) e Mato Grosso, com 1433 km². 

Lábrea e Apuí, ambos no sul do Amazonas, foram os municípios que mais registraram alertas de desmatamento no período (571 e 566, respectivamente). Seguidos de Altamira, no Pará, e Porto Velho, em Rondônia, que junto com os municípios do sul do Amazonas, está em uma das mais quentes fronteiras da destruição no momento.

Dados de 1 de agosto de 2021 a 31 de julho de 2022 do Deter/Inpe, por município.

Apesar da pequena queda no acumulado dos últimos 12 meses, tivemos seis meses onde os dados do sistema DETER-B de alertas de desmatamento foram recorde desde 2016, ano do início de sua operação. Além do atual cenário de destruição ambiental, avançam também no Congresso projetos de lei que dão ao povo brasileiro ainda mais motivos para se preocupar, tal como o 2633/2020, que anistia grileiros, e o PL 490/2007, que abre terras indígenas para atividades predatórias, acrescentam mais uma camada de pressão sobre nossas florestas. 

“Ao invés do poder executivo e dos parlamentares estarem focados em conter os impactos da destruição da Amazônia sobre a população e o clima, no combate ao crime que avança na floresta, e que não só destrói nossas riquezas naturais, mas também a imagem e a economia do país, eles tentam aprovar projetos que irão acelerar ainda mais o desmatamento, os conflitos no campo e a invasão de terras públicas, afirma Rômulo Batista.

O Brasil precisa enfrentar o desmatamento da Amazônia de uma vez por todas, e não de projetos que enfraquecem a proteção da floresta. É hora de avançar em políticas que promovam um real combate ao desmatamento, queimadas e grilagem de terras e que defenda os povos da floresta, com dignidade para todos. Isso é o mínimo.

 

Tuesday, August 9, 2022

TOP 6: Principais problemas da tese do Marco Temporal

Jorge Eduardo Dantas  

Medida ameaça os povos indígenas, a biodiversidade e a segurança climática do Brasil

Protest Against Illegal Mining in Indigenous Lands in Brazil. © Diego Baravelli / Greenpeace
Nos últimos anos, os povos indígenas têm reforçado suas ações de resistência © Diego Baravelli / Greenpeace

A tese do Marco Temporal é uma das principais ameaças que existem hoje contra os povos indígenas do Brasil. Por meio dela, a bancada ruralista no Congresso Nacional e os setores ligados ao agronegócio querem estabelecer uma data a partir de quando um determinado território pode ou não ser considerado terra indígena. 

Essa ideia, que não encontra respaldo na legislação brasileira, está presente hoje no Projeto de Lei 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados e faz parte do #PacotedaDestruição que os ruralistas querem aprovar; e no Supremo Tribunal Federal (STF), na forma de um julgamento que foi adiado em junho último e ainda não tem previsão de voltar à pauta. 

Conheça agora alguns argumentos para entender por que o marco temporal é uma péssima ideia:

1 – O MARCO TEMPORAL É INCONSTITUCIONAL 

A tese do Marco Temporal afronta diretamente o artigo 231 da Constituição Federal – e por isso precisa ser rejeitada por toda a população brasileira! Neste artigo, o texto da Carta Magna fala em “direitos originários” dos povos indígenas – ou seja, o direito desses povos é anterior à formação do Brasil. Por isso, a história de colocar uma data a partir de quando os direitos indígenas seriam válidos não faz sentido e não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico. Ou seja: o que os ruralistas estão propondo é ilegal!  

A Assembleia Constituinte de 1988 foi muito clara no sentido de reconhecer a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições dos povos originários – assim como os direitos originários sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam.

2 – O MARCO TEMPORAL FRAGILIZA DIREITOS CONQUISTADOS

Vivemos num período de muitos retrocessos e o surgimento da tese do Marco Temporal no debate público é parte desse processo – de sobrepor os interesses de uns em detrimento dos direitos de outros. Não podemos concordar com isso! A ideia do Marco Temporal, no final das contas, busca retirar direitos indígenas, abrindo um precedente perigoso em tempos tão sombrios para a política brasileira. Vamos assistir a isso calados? 

3 – O MARCO TEMPORAL DESTRÓI A POLÍTICA DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL 

Juristas ligados à causa indígena são unânimes em dizer: caso a tese do Marco Temporal seja aceita – ou seja, caso ela passe no Congresso ou seja julgada procedente no STF – diversos territórios indígenas demarcados e consolidados hoje podem sofrer processos de revisão. Essa medida aumentaria o caos fundiário que existe no Brasil hoje e acirraria conflitos por todo o País, como aquele vivenciado pelos povos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Assim, toda a experiência, acúmulo, jurisdição e técnicas utilizadas há décadas para os processos de demarcação seriam perdidos e inutilizados. 

Vale lembrar ainda que esse é um tema no qual o Brasil ainda fica devendo: hoje, 832 terras indígenas, por todo o País, aguardam providências do poder público para sua regularização (o que equivale a 64% de um total de 1299 terras indígenas). Mas o lobby do agronegócio é forte e o governo Bolsonaro não demarcou uma única terra indígena desde 2019 – ele é o primeiro presidente do Brasil, após a redemocratização, a desrespeitar os direitos indígenas de maneira tão direta e ostensiva.

4 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA A SOBREVIVÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

É sabido que os povos indígenas possuem uma relação muito particular e distinta com os territórios em que habitam. Na cosmologia de muitas populações, os rios, as montanhas, as cavernas e florestas têm lugar específico, e ajudam aquele povo a entender e encontrar seu lugar no mundo. Por isso, retirá-los de certos locais, contaminar rios, demolir morros e abrir estradas é tão danoso para a cultura desses grupos. Aceitando a tese do Marco Temporal, as terras indígenas ficariam ameaçadas e diversas aldeias e comunidades começariam a lidar com grandes obras, como hidrelétricas, superpopulação e crimes como exploração de trabalho escravo, exploração sexual infanto-juvenil, caça e pesca ilegal. Isso ameaça a vida e cultura desses povos, seu tecido social, as relações com seus ambientes e, num grau acima, suas vidas. É por isso que precisamos tanto proteger as terras indígenas e exigir demarcações: sem a garantia de seus territórios, os povos indígenas têm muitos problemas para garantir sua sobrevivência e a manutenção de suas culturas

5 – O MARCO TEMPORAL COLOCA EM RISCO AS FLORESTAS BRASILEIRAS  

De acordo com o projeto Mapbiomas, nos últimos 30 anos, apenas 1,6% de toda a perda de vegetação nativa ocorrida no Brasil aconteceu dentro de terras indígenas – mostrando que esses espaços proporcionam um alto nível de proteção às nossas florestas. Não podemos colocar isso em risco! Aceitar a tese do Marco Temporal vai provocar uma corrida pelos recursos da floresta, ameaçando a vida e a biodiversidade de nosso país. E não podemos esquecer do papel fundamental que a Amazônia, em especial, desempenha no cenário de crise climática em que vivemos hoje, estocando carbono que, de outra maneira, seria lançado na atmosfera e agravaria a ocorrência de eventos extremos por todo o mundo. Por isso o mundo olha com atenção às políticas ambientais do Brasil – e o péssimo desempenho do governo Bolsonaro nesse quesito já tem causado impactos significativos para a política e economia de nosso país.

6 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA MAIS DE 100 POVOS ISOLADOS 

O Brasil possui hoje 115 povos indígenas isolados – 114 deles na Amazônia. São populações que optaram por viver em isolamento voluntário e ter pouco contato com a civilização ocidental. A maior parte desses povos vive dentro de terras indígenas, que foram criadas justamente para protegê-los e permitir que eles tivessem um espaço onde pudessem sobreviver e manter suas culturas. Mexer na política de demarcação de territórios ameaça de maneira muito séria a sobrevivência física e cultural desses povos e empobrece culturalmente o Brasil – que coleciona, por meio dessas populações, uma série de cosmologias, visões de mundo, costumes e tradições que só existem aqui. Bruno Pereira, o indigenista assassinado em junho no Vale do Javari (AM) e cuja morte chocou o mundo, trabalhava justamente com a proteção desses povos, por entender a necessidade de proteger essas pessoas e garantir a elas o seu direito de existir. Não podemos brincar com isso!

No mês de abril, em Brasília (DF), lideranças indígenas protestaram contra os prejuízos que o garimpo ilegal de ouro leva aos territórios © Tuane Fernandes / Greenpeace

Sunday, August 7, 2022

Repúdio à tentativa de extinguir Parque Estadual Cristalino II no MT

Greenpeace Brasil 

 O parque, de 118 mil hectares, protege uma região com grande número de espécies endêmicas. Ação por sua extinção foi movida por empresa agropecuária

Floresta protegida pelo Parque Estadual Cristalino, no Mato Grosso, guarda uma enorme biodiversidade endêmica. © Greenpeace / Daniel Beltrá

Esta semana, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) do Mato Grosso foi notificada a cumprir uma decisão judicial para extinguir o Parque Cristalino II, na divisa do estado com o Pará. “A extinção da unidade de conservação localizada no bioma amazônico é mais um dos diversos ataques que as áreas protegidas no Estado vêm sofrendo e pode representar um precedente perigoso”, destaca a nota emitida pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), endossada pelo Greenpeace Brasil.

O Parque Estadual Cristalino II foi criado pelo decreto do Estado de Mato Grosso nº 2.628, em 30 de maio de 2001. A área protegida possui 118 mil hectares e é considerada uma das mais ricas em biodiversidade da Amazônia brasileira, com grande concentração de espécies endêmicas. A região tem grande relevância também, devido a sua localização, no meio do arco do desmatamento. 

“É inaceitável perante a emergência climática e crise da biodiversidade mundial sequer considerar a extinção de uma unidade de conservação que traz benefícios para toda a sociedade. O movimento deveria ser o contrário – de criar áreas protegidas e não destruir”, afirma Cristiane Mazzetti, campaigner sênior da campanha de Amazônia do Greenpeace. “Enquanto isso, a grilagem segue avançando sobre nossas terras públicas na esperança de que esse patrimônio, que é de todos, seja privatizado. Bônus para poucos, ônus para toda a sociedade”. 

A ação que pediu a extinção do parque foi movida por uma companhia agropecuária e já havia sido negada duas vezes pela justiça. De acordo com a nota do  Observa-MT, a decisão judicial transitou em julgado sem nenhum recurso judicial interposto, o que demonstra uma inércia do Estado de Mato Grosso na defesa de suas áreas de preservação.

“Os conflitos de interesse relacionados à área da Unidade de Conservação são historicamente conhecidos, especialmente os ligados às atividades produtivas do entorno. Contudo, os problemas não foram tratados de forma responsável pelas autoridades estaduais que poderiam ter adotado medidas mitigadoras e mediadoras, inclusive com direcionamento de recursos de compensação de grandes empreendimentos instalados na região, mas ao contrário preferiu acolher a decisão do Tribunal sem ânimo para propor a reação devida nas vias judiciais”.

O Observa-MT,  junto às assessorias jurídicas das entidades que compõem o observatório, estuda meios judiciais para suspender os efeitos da decisão.

Região tem extrema relevância para a biodiversidade

Em 2021, o pesquisador Leo Lanna, um dos contemplados pelo Programa Tatiana de Carvalho de Pesquisa e Conservação da Amazônia do Greenpeace Brasil, realizou a expedição “Austral: Mantis da Amazônia” na região, onde ele já identificou ao menos três novas espécies de louva-a-deus. 

O biólogo ressalta a relevância da região, por ter uma ecologia única e em uma área extremamente ameaçada. “Esse parque, junto aos outros parques que tem ali adjacentes, protegem uma das últimas áreas de floresta amazônica preservada nessa região norte do Mato Grosso, que é uma região riquíssima em biodiversidade, com muito endemismo, com espécies únicas da região”.

As pesquisas da expedição Austral foram realizadas na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Cristalino, uma reserva privada, na mesma floresta contínua protegida pelos  parques estaduais Cristalino I e II. 

Lvcas Fiat e Leo Lanna em exploração noturna nas florestas da RPPN Cristalino, em busca dos louva-a-deus. (Projeto Mantis)

Segundo Lanna, a floresta da região possui uma rica diversidade de espécies, onde se misturam “a fauna que tem a ver mais com o lado peruano da Amazônia, com a fauna que tem a ver com o lado leste que é mais pra região do Pará e ela ainda é uma zona de transição entre Cerrado e Amazônia que eles chamam de ecótono cerrado Amazônia”.

Sem consulta aos povos da floresta, Ibama dá licença para BR-319

https://www.greenpeace.org/brasil/author/gpbrasil/

 Em posicionamento, Observatório BR-319 ressalta os vícios do processo, falta de governança e de transparência, além do subdimensionamento dos impactos socioambientais

Agosto começa com um dos maiores desafios que a questão socioambiental já enfrentou nos últimos tempos: a liberação da Licença Prévia (LP) para o Trecho do Meio da rodovia BR-319. A medida, que é ao mesmo tempo o maior avanço que o processo de licenciamento da rodovia teve nos últimos 15 anos, também é um dos maiores retrocessos em termos de respeito aos direitos dos povos da floresta e à democracia. Isso porque a LP foi emitida sem a consulta prévia, livre e informada das populações mais vulneráveis aos impactos da repavimentação da BR-319, que são os povos indígenas e comunidades tradicionais, extrativistas e ribeirinhas.

A LP foi expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na quinta-feira (28/07), para a criação de projetos para obras no Trecho do Meio (entre os quilômetros 250 e 655,7) da BR-319.

“Salta aos olhos a violação dos direitos dos povos da floresta no processo de licenciamento das obras da BR-319. A gestão pública não pode cometer os mesmos erros do passado, na década de 1970, e ignorar indígenas e comunidades tradicionais. Isso coloca em risco o bom andamento do processo e abre brechas para judicializações e mais atrasos”, avalia a secretária-executiva do Observatório BR-319 (OBR-319), Fernanda Meirelles.

“Além disso, vemos com grande preocupação a emissão da Licença Prévia neste momento de disputa eleitoral. A decisão tem evidente motivação política e eleitoreira”, completa Meirelles. 

O diretor da WCS Brasil, organização membro do OBR-319, Carlos César Durigan, diz que é impossível concordar com a viabilidade ambiental concedida pela LP.

“Ainda existem pontas soltas no processo todo e, neste caso específico, basicamente não temos garantias das agências ambientais sobre as ações de fiscalização, controle e monitoramento, nem da obra em si e seus impactos diretos. Muito menos dos tantos problemas já registrados e relatados às instituições envolvidas, como tem sido o caso de abertura de ramais, ocupação de terras públicas destinadas – Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs) – e não destinadas, que têm levado a uma explosão da degradação e desmatamento em toda a área de influência da BR-319”, diz Durigan. 

Para o porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista, a decisão acrescenta uma camada extra de pressão sobre a região, que já vem enfrentando um aumento vertiginoso no desmatamento e na grilagem de terra nos últimos anos.

“Só no Amazonas o desmatamento aumentou em 55% no último ano, segundo o Prodes. Se a possibilidade de criação de um polo agropecuário na região onde convergem os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, já vem gerando essa corrida, a perspectiva da estrada colocará ainda mais gasolina na situação, que já está quente na região, e sem que o Estado esteja devidamente preparado para reagir a isso. É algo que já vimos antes, na BR-163 por exemplo, e corremos o risco de ver novamente agora”, diz. 

É importante deixar claro que o Observatório BR-319 não é contra a reconstrução da rodovia, mas se posiciona na defesa de um processo de licenciamento transparente, democrático e inclusivo, que ouça e dê voz a quem mora em territórios tradicionalmente ocupados ao longo da rodovia e que sofrerá as piores consequências de um processo marcado por violações. 

Também é importante que a sociedade não se deixe levar por narrativas enganosas, que colocam ambientalistas, cientistas e outros como vilões e inimigos do progresso. Entra governo e sai governo, a gestão das obras da BR-319 é deliberadamente confusa, irresponsável e incompetente, por isso elas atrasam, porque não cumprem a lei e deixam brechas para a judicialização do processo. Para deixar claro e embasado o que pensa o Observatório BR-319, o coletivo emitiu uma nota de posicionamento que explica pontos fundamentais dessa situação. 

OBR-319

O Observatório BR-319 é formado pelas organizações Casa do Rio, CNS (Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas), Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), FAS (Fundação Amazônia Sustentável), FVA (Fundação Vitória Amazônica), Greenpeace Brasil, IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), Opan (Operação Amazônia Nativa), Transparência Internacional Brasil, WCS Brasil e WWF-Brasil. 


Focos de calor em alta na Amazônia. Fomos a campo registrar

Somente no mês de julho foram 5.373 focos de calor e no ano já são mais de 12.906. Veja a imagem

Queimada em Porto Velho, Rondônia. O Greenpeace realizou sobrevoos no sul do Amazonas e no norte de Rondônia para monitorar desmatamento e queimadas na Amazônia em julho de 2022. (© Christian Braga / Greenpeace) © Christian Braga / Greenpeace

De acordo com os dados do Programa Queimadas publicados ontem (31) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), julho registrou 5.373 focos de calor no bioma Amazônia, 7,9% maior que o mesmo período no ano passado. Sua grande maioria, senão todos, são ilegais, visto que o Decreto nº 11.100/22 proibiu o uso do fogo no Brasil, em especial na Amazônia e Pantanal, desde 23 de junho de 2022.

Os focos de calor em julho se concentraram nos estados do Pará (31,3%), Amazonas (26,6%) e Mato Grosso (22,3%). A Amazônia segue sob intensa ameaça com a ilegalidade e destruição ainda devastando grandes áreas. Na última semana de julho, realizamos uma série de sobrevoos de monitoramento de paisagem na região do sul do Amazonas e em Rondônia e encontramos diversos flagrantes de queimadas em plena atividade. 

“Este é só inicio do verão amazônico, estação com menos chuvas e umidade, onde infelizmente a prática de queimadas e incêndios florestais criminosos explodem, seja para queimar as áreas que foram derrubadas recentemente e deixadas para secar ou mesmo queimando áreas de florestas que já foram degradadas pela extração ilegal de madeira, por exemplo”, explica Rômulo Batista, porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Por ser uma floresta úmida, a Amazônia dificilmente pega fogo sozinha. O fogo é quase sempre causado pela ação humana, isso porque na região as queimadas têm uma ligação íntima com o processo do desmatamento. Assim, é comum que o avanço do fogo se dê no mesmo ritmo que o avanço do desmatamento no bioma.   

No primeiro semestre de 2022, os alertas de desmatamento do Inpe apontaram para um aumento de 10,6% na devastação em relação ao mesmo período de 2021, um triste recorde com quase 4.000 km² de destruição. Isso é reflexo dos atos e omissões dos poderes Executivo e Legislativo, que promoveram o desmantelamento das políticas ambientais e sociais promovidas desde a Constituição de 1988.    

“Infelizmente, é muito difícil ser otimista para os próximos meses na Amazônia, sendo um ano eleitoral no qual, historicamente, a destruição aumenta muito, mas também são meses decisivos para refletir sobre a Amazônia que precisamos, escolhendo representantes que irão proteger a floresta amazônica, o maior patrimônio de toda a população brasileira, com a sua rica biodiversidade e os povos que nela habitam”, conclui Rômulo.  

Toda essa destruição e fogo, além de dizimar a floresta e a sua rica biodiversidade, também afeta a saúde da população local por conta da fumaça e fuligem gerada. No ano passado, estivemos em Porto Velho (RO) para registrar de perto estes impactos, problema que se repete ano a ano.

Projeto da Petrobras ameaça sobrevivência dos corais da Amazônia

Greenpeace Brasil 

 Estudo aponta que área não pode ser atingida por exploração de petróleo

A existência dos Corais da Amazônia foi revelada em 2016 na maior revista científica do mundo, a Science Advances, em um estudo assinado por 39 pesquisadores de 12 instituições, tanto brasileiras quanto internacionais. A descoberta foi considerada uma das mais importantes da biologia marinha da última década. 

Uma das características mais marcantes dos Corais da Amazônia é sua rica biodiversidade. Isso vale tanto para os seres que formam o recife (esponjas-do-mar, rodolitos e corais) quanto para os peixes e outras espécies que circulam pela região e têm no recife um importante local para se abrigar, se alimentar e se reproduzir. Apesar dessa rica biodiversidade ter sido descoberta recentemente, ela já está ameaçada. A Petrobras defende a exploração de petróleo nessa região.

Esse recife é como um ponto de encontro de muitas espécies que vêm de diferentes (e opostos) locais do oceano e precisa ser preservado. Prova disso é um artigo publicado em abril chamou os Corais da Amazônia de “corredor de biodiversidade“. Foram encontrados ali tanto espécies de peixes que são originários do sul do oceano Atlântico quanto do Caribe. O artigo foi resultado dos estudos feitos na primeira expedição que o Greenpeace fez aos Corais da Amazônia, em 2017.

A área da formação de recife é extensa. A área estimada é de 56 mil quilômetros quadrados, abrangendo a faixa que vai da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa até o Maranhão. Isso corresponde a uma área sete vezes maior que a região metropolitana de São Paulo, que é a maior do Brasil e tem quase 8 mil quilômetros quadrados.

Um novo estudo que revela a imensidão dos corais foi liderada pelo pesquisador Fabiano Thompson, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa mostra que microrganismos e nutrientes do Rio Amazonas alimentam as esponjas do Grande Recife Amazônico (GARS). O funcionamento do GARS depende de processos de heterotrofia e autotrofia. Microrganismos quimiossintetizante retiram energia de minerais (Hidrogenio, Nitrogenio, Enxofre) para produção de alimento (biomassa e matéria orgânica) para as esponjas.

Microrganismos fotossintetizantes também são relevantes sobretudo ao largo da foz e ao sul da foz do Rio Amazonas onde a luz é mais abundante por conta da menor incidência da pluma do Amazonas. O estudo mostra que o GARS está conectado à Floresta Amazônica, e se nutre de elementos e microrganismos da pluma do Rio Amazonas. Portanto, há um contínuo, rio Amazonas-pluma-recife.

A região do GARS ainda é pouquíssima conhecida. O GARS somente foi descrito em detalhes em 2018 por Francini-Filho et al. A região da Foz do Amazonas é uma das menos estudadas de toda a costa brasileira comparativamente. Além de ser habitat para importantes cardumes de peixe e para a vida marinha em geral. O GARS pode ser considerado uma farmácia submersa. Há riquezas que podem ser transformadas em produtos biotecnológicos, como novos medicamentos e alimentos, para a geração de divisas para o Brasil. Os nutrientes do rio amazonas vem junto com a pluma do Rio Amazonas, uma área que pode chegar a ter mais de 1,27 milhões de Km2. 

Segundo Thompson, os corais têm funções fundamentais no equilíbrio ambiental do planeta. “Também cabe mencionar que mudanças no continente, ocasionadas pela ação humana, podem afetar o funcionamento do GARS, assim como mudanças globais que alterem eventualmente o regime de águas do Amazonas poderiam interferir na dinâmica do GARS, que serve como um banco de “sementes” para recifes mais rasos, das regiões costeiras, um recurso biológico inestimável no contexto das mudanças globais, como aquecimento e acidificação de águas)”, diz.

Amazônia secreta

Rosana Villar

Acompanhamos a incursão de pesquisadores de botânica nas florestas de Manicoré, em sua busca por conhecer a diversidade de plantas da região, e encontramos um mundo novo

Floresta próxima ao rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia. As comunidades ribeirinhas estão lutando para terem seus direitos territoriais reconhecidos e sua floresta protegida. © Valdemir Cunha / Greenpeace

O crepúsculo se aproximava quando deixamos apressados a floresta. Havíamos passado cerca de quatro horas sob a mata alta, embora não tivéssemos avançado mais do que um quilômetro floresta adentro. Um avanço lento, mas de qualidade.

Na saída da trilha, disse para Alberto Vicentini, o Beto, pesquisador de botânica e professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que nunca tinha vivenciado uma experiência como aquela. “Você nunca caminhou pela floresta?”, me perguntou. Respondi que já tinha caminhado pela floresta, mas nunca tinha realmente olhado para ela. 

Avançamos lentamente, porque cada folha, cada fungo, cada microrganismo da floresta tinha uma história e estávamos lá, com olhares atentos, para desvendá-las. Dificilmente teria percebido as briófitas, se não fosse pelos olhos de Marta Pereira, pesquisadora gaúcha da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) fascinada pela botânica amazônica e que estuda essas minúsculas plantas que habitam cada casca de árvores da floresta, que de tão pequenas eram coletadas em envelopes laranja minúsculos, enfiados nos bolsos do colete e das roupas igualmente laranjas da pesquisadora.

“Essa é a serrapilheira. Toda a nutrição da floresta vem daqui. Dizemos que a floresta existe por causa da chuva e a chuva existe por causa da floresta. É a mesma coisa com a serrapilheira, as árvores existem por causa dela e ela existe por causa da floresta. Uma não existe sem a outra”, resume. A dinâmica entre as espécies de um planeta inteiro, resumida em uma caminhada de menos de um quilômetro. 

Vegetação de campina próxima ao Rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia, onde comunidades ribeirinhas estão lutando para terem seus direitos territoriais reconhecidos e sua floresta protegida. © Valdemir Cunha / Greenpeace

Com um binóculo, Beto observava o dossel da mata, em busca de frutos e flores que pudessem ajudar a identificar as diversas espécies e subespécies de árvores. Raimundo Ribeiro Caetano, da comunidade Parintintin no rio Manicoré, nomeava cada uma como eram conhecidas por aqui, indicando para que eram usadas, a dureza de sua madeira, perfume e a complexidade de seus padrões. 

Descobri que existem formas de identificar uma planta: pelo cheiro, por quantas partes se dividem suas folhas, pela disposição dos ramos, pela cor de seus frutos. Mas certos segredos não podem ser vistos a olhos nus. “Tem um estudo que indica que 220 espécies de árvores dominam 50% da Amazônia. Mas geralmente muitas dessas espécies se dividem em espécies diferentes, que podem ter se separado há milhões de anos, e isso só descobrimos com o apoio de laboratório”, explica Beto.

Infelizmente, não são muitos os laboratórios que fazem esse tipo de análise, nem muitos os profissionais capacitados para fazê-las. Sem mencionar o estrangulamento no orçamento para pesquisa e para os institutos e universidades no Brasil nos últimos anos. O que não muda a realidade da floresta: estima-se que 60% das árvores da Amazônia ainda sejam completamente desconhecidas pela humanidade. “Mas com esse desmatamento que a gente tá vendo agora, isso certamente está levando à extinção um bom pedaço dessa diversidade”, afirma.

A Amazônia tem muitas vocações e potenciais ainda pouco explorados, simplesmente porque o que a humanidade tem feito é tentar forçar uma vocação que não é desta terra. Dizem que o solo da Amazônia é pobre, mas só porque para produzir monoculturas na região é preciso alto nível de fertilização do solo. 

A verdade é que a Amazônia é a maior representação da importância da biodiversidade, da mistura de espécies e da interação entre elas. E quando desmatamos a floresta, nada mais sobrevive. Nem as plantas, nem os fungos, nem os microrganismos, nem a terra. Sem a interação entre as diversas espécies de plantas e animais, a Amazônia seria um grande deserto. 

Olhar para a floresta através das lentes destes pesquisadores me fez ver a Amazônia para além do maciço verde, para além do todo, me fez olhar para o micro. Somos apenas uma parte disso, todos nós somos uma micro parte disso. Juntos e juntas, formamos este organismo pulsante que é a Terra.

Rosana Villar

sobre o(a) autor(a)

Jornalista do Greenpeace Brasil em Manaus. Adora acampar e o cheiro da floresta depois da chuva. Ama sua filha, dormir, cozinhar e contar histórias, nessa ordem