Greenpeace Brasil
Com eventos extremos cada vez mais intensos e o vácuo deixado pelo poder público para as consequências aos mais impactados, a solidariedade tem sido fundamental para salvar vidas
Um frio intenso tomou conta de cidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil nesses últimos dias, num momento ainda nada comum para as temperaturas despencarem, visto que estamos no início do outono e o inverno ainda nem chegou.
O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) emitiu um alerta de perigo, de nível intermediário, para mais de dez estados brasileiros: Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O alerta também contemplou o Distrito Federal.
Algumas capitais registraram temperaturas abaixo de 10ºC batendo recordes de frio. Na Serra Catarinense, a neve chegou na região com termômetros marcando 1,4ºC em algumas cidades, segundo o Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar). Na costa do Rio Grande do Sul, a formação de um ciclone provocou estragos deixando milhares de moradores sem energia. A tempestade subtropical Yakecan atingiu os litorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina na terça-feira (17/5), com ventos de 100 km/h. E no Centro-Oeste, Goiás também teve lugares que registraram a madrugada mais fria do ano: 4,8ºC.
Um cenário diferente do que tivemos no ano passado, quando só na segunda metade de julho as temperaturas despencaram. E nós falamos sobre isso neste texto, que traz uma resposta aos que negam a ciência e ainda confundem o clima do planeta com a previsão do tempo: “Se o planeta está esquentando, por que faz tanto frio no Brasil?”.
Mas por que esse frio intenso está acontecendo mais cedo e o que tem a ver com a crise climática?
Um fato a gente já sabe: o planeta está mais quente. Nesta quarta-feira (18/5), foi divulgado o relatório sobre o Estado do Clima Global em 2021, e a Organização Meteorológica Mundial (WMO) fez um alerta: quatro indicadores-chave de mudança do clima – concentração de gases de efeito estufa, aumento do nível do mar, temperatura oceânica e acidificação do mar – atingiram novos recordes no ano passado. A temperatura média global em 2021 foi calculada em cerca de 1,11°C acima dos níveis pré-industriais, o que colocou o ano entre os sete mais quentes já registrados.
As alterações de temperatura global influenciam a troca das massas de ar quente e fria entre a Antártica e os trópicos (que é onde nós estamos). Essa troca funciona assim: o ar quente sai dos trópicos e vai em direção ao pólo Sul, onde está a Antártica, e de lá vem o ar frio. Por conta do aumento da temperatura da superfície do mar e dos continentes, essa troca está sendo perturbada, conforme explica o geógrafo e climatologista Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“O planeta está mais quente em decorrência das ações antropogênicas (influência humana). E um planeta mais quente gera mudança na circulação atmosférica. Com isso, esses padrões de alteração geram eventos extremos que podem ser uma onda de calor, uma onda de frio, uma chuva intensa, estiagens severas, entre outros eventos”, explica Aquino.
Para o geógrafo e climatologista, atribuir tão rapidamente um único fato climático à intensificação do aquecimento global é um desafio, mas do ponto de vista da ciência, esse frio intenso e extremo que estamos vendo agora é um evento que se enquadra na expectativa de cenários resultantes do aquecimento do planeta intensificado por ações humanas.
“Quando é outono, inverno, em especial no inverno, a Antártica está esfriando e os ventos de oeste que circundam ao redor dela ajudam a manter seu isolamento formando massas de ar mais frias. Um planeta mais quente gera influência intensificando e fortalecendo as altas pressões semipermanentes subtropicais do hemisfério sul, o que abre uma oportunidade para que a Antártica inicie um isolamento antecipado”, explica Aquino.
“Como os meses de abril e maio tiveram essas características, isso acelerou, ou seja, adiantou esse isolamento da Antártica da região subtropical, formando massas de ar frias bem organizadas, tanto nos mares ao seu redor quanto no seu interior. O detalhe é que um planeta mais quente favorece a maior velocidade dos ventos de altitude ao seu redor (correntes de jato) que em algum momento amplificam sua ondulação (e se projetam ao equador). Isso gera um ambiente atmosférico propício para formar ciclones extratropicais e anticiclones móveis nessas latitudes que irão romper o isolamento, guiando ar frio da Antártica em direção ao trópico ou à Amazônia. Essas condições e robustez geraram a atual onda de frio, a segunda deste ano, e como consequência também intensificou no início o ciclone extratropical, que evoluiu para a tempestade subtropical Yakecan”, complementa Aquino.
Massa de ar vinda da Antártica avança na América do Sul:
Isolamento antecipado da Antártica no mês de maio de 2022:
Como no caso de todas as crises, numa sociedade desigual, quem está em situação de vulnerabilidade paga o preço mais alto
Em suas redes sociais, o Padre Júlio Lancellotti postou: “Igrejas, de 17 a 24/05 abram as portas para os irmãos não morrerem de frio”. Enquanto isso, na Catedral Metropolitana de São Paulo, uma sala é preparada para acolher no frio as pessoas em situação de rua.
“Para pessoas em situação de rua, a falta de recursos para enfrentar o frio pode resultar em mortes”, alertou o projeto SP Invisível, uma ONG que atua pela humanização dos olhares sobre as pessoas em situação de rua.
Mais uma vez, uma parcela grande da sociedade que vive em situação de vulnerabilidade é a mais impactada com os eventos extremos, e lutar pela garantia de uma vida digna para todas, todos e todes é uma responsabilidade coletiva.
Cobrar o poder público para se antecipar a um cenário que já é previsto e que vem se tornando mais grave a cada ano é fundamental, mas na hora em que a emergência acontece, a empatia e a solidariedade podem salvar vidas.
Então, neste momento, o que a gente sugere é que você encontre a iniciativa mais próxima no seu estado, na sua cidade ou no seu bairro que esteja atuando junto às populações mais impactadas. E carregue com você o que puder para contribuir com quem mais precisa: leve uma meia, um agasalho, um cobertor, itens que possam ajudar as pessoas a enfrentarem esse frio.
E mais, atenção para algumas notícias falsas que estão rolando por aí!
Pensando nas fake news que já estão circulando, o INMET, Instituto Nacional Meteorologia, preparou um material para você não cair nessa e ficar por dentro do que é falso e verdadeiro sobre a onda de frio que acomete o Brasil esta semana.
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