Karen Góes, do grupo de voluntários e voluntárias do Greenpeace no Amapá
Voluntária do Greenpeace no Amapá escreve relato sobre o apagão vivido no estado e a falta de acesso a direitos básicos
No dia 3 de Novembro de 2020, iniciou-se no Amapá a crise pela falta. Falta de água, falta de energia. A tempestade com raios que durou cerca de 12 horas ininterruptas foi o motivo do terror da população. Dois moradores da capital, Macapá, foram atingidos e três transformadores disponíveis para cobertura energética de 13 dos 16 municípios do Estado, foram incendiados.
A crise desencadeada revelou o despreparo e a irresponsabilidade da companhia Linhas de Macapá Transmissora de Energia S.A, encarregada da subestação, que não dispunha de plano de contingência ou unidades de transformadores disponíveis para possíveis e esperadas emergências.
O atual modelo de geração de energia vende não somente a biodiversidade amazônica, mas também a dignidade do amapaense, que não está podendo utilizar serviços essenciais como a água e a eletricidade em meio a uma crise sanitária. Existe um discurso motivacional de acesso a bens e produtos refinados que perpassa a destruição ambiental, a calamidade pública e o comércio externo. Mas se tudo isso já chegou aqui, quanto falta para acessar esse direito básico?
Respondo que: água e energia não são mercadoria, como há anos vem afirmando o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), vanguarda na luta em defesa do Rio Araguari e das sociedades pesqueiras de Ferreira Gomes, município do Estado do Amapá. O movimento vem denunciando há longos anos a imposta e não consultada implementação de usinas hidrelétricas na região, causando não somente um número expressivo de mortes de peixes, mas mudando a vida de muita gente.
São quatro as hidrelétricas que atualmente utilizam a força do Rio Araguari e do Rio Jari, braços do leito amazônico, como força motriz de geração de energia. E apesar disso, o Amapá continua apresentando uma das tarifas de energia elétrica mais caras do Brasil, com preços variantes entre R$300,00 e R$700,00 para usos de serviços básicos. Aposto que justiça não é a primeira palavra que nos vem à mente lendo esse tipo de informação.
A hidrelétrica Santo Antônio do Jari, por exemplo, tem capacidade de gerar 373,4 MW, quantidade suficiente para fornecer energia para uma cidade de até 3 milhões de habitantes.
O Amapá, estado localizado ao extremo norte do país, com cerca de 800 mil habitantes, já atingiu o 8º dia de desabastecimento energético e de água. Como isso pode acontecer a um dos maiores produtores de energia do país? O mesmo estado que abastece o linhão de Tucuruí, e que abastece também grande parte do território brasileiro. Onde será que foi parar toda essa energia? Pode estar nas suas mãos, se você está me lendo agora.
Mesmo gerando prejuízos imensos à cultura local e destruição do patrimônio natural coletivo, os amapaenses ficaram privados de dignidade e cuidado nos últimos dias. O acesso aos serviços refinados fica a cargo das metrópoles sulistas e sudestinas, colônias de povoamento pela história e de exploração por excelência.
E como observado, personalidades políticas não estão sendo eficientes na resolução da problemática. À deriva, a própria população está se organizando para compartilhar água e gelo para quem precisa manter medicamentos.
Ao contrário do que se diz nacionalmente, a situação não mudou. Há três dias estamos em regime de racionamento de energia, o que limita o acesso à eletricidade e à internet em dois turnos de seis horas, por bairro. Vaquinhas, doações e muita solidariedade têm sido as alternativas encontradas para lidar com a situação. As filas quilométricas que dão acesso aos serviços básicos são nossa atual forma de comunicação. Um reconhecimento único nas violências compartilhadas, uma sensação de abandono tão desesperadora que nos unificou. Nos últimos oito dias, mais de 20 manifestações em caráter de protesto foram contabilizadas, todas elas movidas pela indignação com a crise dentro da crise.
Agrava-se que a capital Macapá registra altas nos casos de Covid-19 e está desprovida de água, elemento essencial de proteção à infecção pelo vírus. A maior preocupação se tornou o acesso a este elemento, que apesar de ser abundante no estado, não está disponível de forma tratada para consumo. Não é estarrecedor que a população filha da Foz do Rio Amazonas não tenha acesso à água potável devido à histórica negligência gerencial?
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