Fizemos uma lista de “boiadas” passadas pelo Ministro de Meio Ambiente rumo ao desmantelamento das regras ambientais desde que o novo coronavírus se instalou no país
A “boiada” que o Ministro de Meio Ambiente Ricardo Salles diz querer passar, em vídeo da reunião interministerial publicado na última sexta-feira (22/05), já está ocorrendo. Mais precisamente, Salles já vem passando seus bois há um ano e meio, desde que Bolsonaro foi eleito Presidente da República. Salles acumulou tanta experiência nisso que achou por bem sugerir a seus colegas que ajam como ele, às escondidas e contra o interesse público.
Ao invés de cumprir com as exigências de um cargo que é dos mais importantes do país, tendo em vista que o Brasil detém a maior floresta tropical, a savana mais rica e a maior biodiversidade do planeta, a política de Ricardo Salles fez com que, por exemplo, a taxa de desmatamento na Amazônia batesse recordes. O desmatamento em 2019 foi o maior da década, e este ano já começou dando indícios de que a situação está piorando.
Este aumento do desmatamento no país não ocorre ao acaso. É resultado de uma política que incluiu dia após dia, boi atrás de boi, a redução da autonomia de servidores, cortes em orçamento dos órgãos de controle e proteção ambiental do país, orientações e canetadas para afrouxamento das regras de controle e fiscalização. (Você encontra aqui
um bom resumo do que foi o primeiro ano do governo Bolsonaro para o meio ambiente.)
Desde que a crise gerada pela Covid-19 se iniciou no país, o ministro, ao invés de somar esforços para prevenir que o vírus se espalhasse pela floresta, ameaçando ainda mais seus povos, optou por aproveitar a atenção da mídia voltada para a crise, o que viu como oportunidade, para encobrir o projeto de destruição do governo e avançar com medidas antiambientais.
Listamos abaixo algumas das principais medidas antiambientais de Salles e seus subordinados durante a pandemia:
1. Caminho aberto para venda de madeira ilegal
Um dia antes da confirmação do primeiro caso de Covid-19, em 25 de fevereiro, em plena terça-feira de Carnaval, o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, liberou exportações de madeira nativa sem autorização do órgão. A mudança na regra favorece a comercialização de madeira ilegal, um grande problema na Amazônia, e foi criticada por um servidor do Ibama. O que Salles fez? Demitiu o servidor
2. Era uma vez a Mata Atlântica
Um dos casos mais emblemáticos das mudanças “infralegais” citadas por Salles na fatídica reunião mostra que o ministro não está satisfeito em acabar com a Amazônia; ele quer destruir a Mata Atlântica também. No dia 06 de abril, Salles assinou um despacho que reconhece como áreas de ocupação consolidada as Áreas de Preservação Permanente (APPs) desmatadas até julho de 2008. Ou seja, quem desmatou até 2008 será anistiado ou verá reduzida a obrigação de recomposição de vegetação.
A canetada tem impactos diretos na preservação da Mata Atlântica, bioma mais devastado do Brasil, porque as APPs são consideradas fundamentais para a segurança hídrica e proteção da fauna e flora da região. Ela também traz insegurança jurídica no campo e a possibilidade de aumento de conflitos em um bioma onde eles já estavam bastante apaziguados.
A medida está sendo questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), que sugere que os Estados não acatem o despacho de Salles.
3. Intimidação, exonerações e demissões de servidores do Ibama
Em 14 de abril, dois dias depois de uma reportagem no Fantástico
(TV Globo) noticiar uma importante operação do Ibama contra o garimpo ilegal em Terras Indígenas, o diretor do órgão, Olivaldi Borges Azevedo, foi demitido. Duas semanas depois (30 de abril), outros dois servidores do Ibama que estavam coordenando equipes de fiscalização também foram exonerados. Vários outros servidores reportaram estar sendo ameaçados de demissão.
Quem consegue se manter no cargo, fica refém da “lei da mordaça”. Não é de hoje que Ricardo Salles tenta ter controle total sobre a comunicação do ministério. Em março do ano passado, já tinha dado orientação que restringia o contato entre servidores e a imprensa. Surtiu efeito: nos primeiros nove meses do governo Bolsonaro, a procura da imprensa por informações do Ministério do Meio Ambiente quadruplicou. No entanto, 8 a cada 10 pedidos de jornalistas não foram respondidos
pela assessoria de comunicação da pasta.
Um ano depois, não satisfeito, o presidente do Ibama formalizou a recomendação por meio de uma portaria, que foi publicada no dia seguinte à repercussão negativa sobre o episódio da madeira ilegal, que explicamos no item 1. Coincidência?
4. ICMBio morre aos poucos
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é o órgão que cuida das Unidades de Conservação (UCs) federais, como os parques, florestas nacionais e reservas extrativistas presentes em todo o país, e, por isso, é fundamental para a manutenção da vida silvestre. Entretanto, parece que ele próprio está morrendo. Sua condenação começou em fevereiro, com um decreto que o reestruturou, reduzindo as 11 coordenações regionais para cinco gerências. No dia 12 de maio, o decreto foi colocado em vigor. Foram exonerados 38 servidores do comando ou substitutos de chefia em UCs, e efetivadas as reduções nas coordenações regionais.
Na Região Norte, ficou apenas uma gerência no lugar de quatro coordenações existentes anteriormente, que terá que atender mais ou menos 130 UCs. Na prática, a alteração reduz o corpo técnico do órgão e o afasta das áreas protegidas.
Quer um exemplo? A sede de fiscalização do Parque da Tijuca, localizado no Rio de Janeiro, foi transferida para o bairro dos Jardins, em São Paulo. Agora imagine o que isso significa em dimensões amazônicas.
A boiada não vai passar!
Ricardo Salles pode ser oportunista, mas não é bobo. Ele sabe que não poderá “passar sua boiada” da destruição ambiental impunemente. São muitos os olhos voltados para o bem-estar da floresta e seus povos, e para o equilíbrio climático.
Um destes olhos atentos é a Justiça Federal
, que, atendendo a pedido do Ministério Público no fim de abril, requereu que Ibama, ICMBio e Funai adotassem medidas imediatas de combate ao desmatamento e proteção dos povos indígenas contra a Covid-19. É isso mesmo. A Justiça precisou obrigar o governo a cumprir com seus deveres.
Outros desses olhos somos nós: a sociedade civil organizada; a pressão popular; você aí na sua casa, que está somando sua voz contra todo e qualquer retrocesso. Vamos juntos dizer a Ricardo Salles: a boiada não vai passar!
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