Em relatório, organização Global Witness revela que retrocessos
políticos empreendidos no Brasil influenciaram aumento das mortes
relacionadas a conflitos por terra e recursos naturais
Em
2017, ativistas do Greenpeace realizaram um protesto diante do
Congresso Nacional, para cobrar medidas das autoridades e o fim da
impunidade para crimes no campo. 251 cruzes foram levadas ao Congresso,
simbolizando os 251 assassinatos ocorridos na Amazônia de 2007 a 2016. ©
Adriano Machado / Greenpeace
Pelo sexto ano consecutivo o Brasil lidera o ranking de países mais
perigosos do mundo para atuar em defesa da terra, das florestas e rios,
segundo revela o relatório “
A Que Preço? – Negócios irresponsáveis e o assassinato de defensores da terra e do meio ambiente em 2017“, recém-lançado pela organização internacional
Global Witness. Em 2017, pelo menos
207 pessoas foram assassinadas
em todo o mundo em conflitos relacionados ao acesso à terra e aos
recursos naturais, sendo que um quarto de todas as mortes registradas
(57) foram no Brasil. Cerca de
80% destes crimes aconteceram na Amazônia e estão associados principalmente a conflitos causados pelo agronegócio, pela mineração e exploração ilegal de madeira.
Para o agronegócio crescer, as florestas (e as pessoas que delas
dependem) devem desaparecer para dar espaço à essa expansão. O Brasil
registrou um aumento de 9% na emissão de gases do efeito estufa entre
2015 e 2016, segundo estudo do Observatório do Clima (OC) e o
agronegócio é apontado como o principal responsável por este aumento,
contabilizando 74% do total no período. Em outras palavras, se fosse um
país, o agronegócio brasileiro seria o oitavo maior poluidor do mundo.
Esse é o reflexo de um modelo de desenvolvimento cruel e excludente,
que não se reflete em benefícios econômicos, sociais e ambientais para
as pessoas que estão no chão da floresta e dependem da saúde desses
ecossistemas para garantir a reprodução de seu modo de vida. De acordo
com o relatório, “ao invés de tomar medidas para acabar com os ataques
contra os defensores, o presidente Michel Temer e os legisladores
brasileiros estão ativamente enfraquecendo as leis e as instituições
destinadas a proteger os direitos à terra e os povos indígenas. Ao mesmo
tempo, eles decidiram tornar mais fácil para as grandes empresas –
aparentemente imperturbáveis pelo devastador custo humano e ambiental de
suas atividades – intensificarem a exploração de ecossistemas frágeis”
.
Os ataques à agenda socioambiental não são recentes no Brasil, mas o
enfraquecimento dos sistemas de proteção do meio ambiente e dos direitos
humanos cresce exponencialmente desde que Michel Temer assumiu a
cadeira da presidência e, consequentemente, a bancada ruralista passou a
integrar o centro do poder. De maneira autoritária, por meio de medidas
provisórias, decretos e outros atos desprovidos de debates com a
população, os avanços socioambientais conquistados pelo Brasil nas
últimas décadas – incluindo os garantidos pela Constituição – vêm sendo
sumariamente desmantelados.
Pacote de retrocesso do governo cria o ambiente perfeito para os massacres e a impunidade. © Lucas Sobral / Greenpeace
O pacote de retrocessos patrocinado pelo governo Temer inclui a
redução e extinção de áreas protegidas; paralisação das demarcações de
terras indígenas, quilombolas e da reforma agrária; enfraquecimento do
licenciamento ambiental, ataque à soberania e aprofundamento da
insegurança alimentar e nutricional; tentativas de desregulamentação e
liberação de agrotóxicos ainda mais agressivos à saúde da população e ao
meio ambiente; venda de terras para estrangeiros; anistia a crimes
ambientais e as dívidas do agronegócio; legalização da grilagem de
terras; supressão de direitos de mulheres, de povos e comunidade
tradicionais, populações camponesas, trabalhadores e trabalhadoras
rurais e urbanos; e liberação de áreas de floresta para a exploração
mineral. O pacote de maldades não se concretiza somente na
flexibilização da legislação, mas também no sucateamento e no corte de
recursos de instituições que poderiam e deveriam apoiar os povos
indígenas, prevenir conflitos de terra e proteger os defensores dos
direitos humanos, como, por exemplo, a Funai, o Ibama e o ICMBio.
Esta conjuntura permite que casos como o Massacre de Colniza, que
deixou nove mortos em um crime brutal motivado pela cobiça de
madeireiros e grileiros pelos recursos existentes na região de Taquaruçú
do Norte, distrito do município de Colniza, no início de 2017, e o
Massacre de Pau D’arco, onde dez trabalhadores rurais foram executados
por policiais civis e militares por lutar pela regularização de uma
faixa de terra, encontrem um ambiente propício para acontecer.
“Essas pessoas são a ponta de flecha no combate às mudanças
climáticas, conservação da natureza, na defesa da democracia e dos
direitos humanos
. Mas vemos que, hoje em dia, todos aqueles que
ousam questionar ou colocar em xeque o modelo são vistos como ameaça ao
projeto hegemônico, que devem ser eliminados a qualquer custo”, observa
Carolina Marçal, da campanha Amazônia do Greenpeace. “A omissão do
Estado brasileiro, que permite o avanço da violência e ao mesmo tempo em
que protagoniza a imposição de uma agenda que viola os direitos dos
mais pobres, nos conduz a uma espécie de terrorismo de Estado, via a
criminalização dos movimentos sociais que resistem a tais violações”,
completa.
Segundo o relatório, existe uma tendência mundial de aumento da
criminalização dessas defensoras e defensores ao redor do globo. Eles
são frequentemente considerados criminosos, enfrentando acusações falsas
e processos civis agressivos apresentados por governos e companhias com
o objetivo de silenciá-los. No Brasil essa realidade não é diferente. A
política ruralista do atual governo coloca sobre Michel Temer e o
Congresso Nacional uma responsabilidade pessoal e histórica sobre as
vítimas desse processo.