Equipes das polícias Federal e Rodoviária Federal retornaram nesta
terça-feira (28) à Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, no nordeste do Mato
Grosso, para impedir uma nova invasão de não índios. Ainda não há
informação sobre o efetivo deslocado à região.
A ação atende decisão da Justiça Federal em Cuiabá, por sua vez
obtida por um pedido do Ministério Público Federal (veja decisão). A
área voltou a ser invadida no último fim de semana de forma organizada,
depois que homens da Força Nacional de Segurança (FNS) deixaram-na, na
semana passada.
Há exatamente um ano terminava a operação de desintrusão de
Marãiwatsédé, decorrente de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
que determinou a retirada de todos os não índios. Não é possível
reverter a determinação do STF, tendo em vista que o caso transitou em
julgado, ou seja, não cabe mais nenhum recurso judicial. Muito menos há
hoje alguma decisão da Justiça que pretenda contrariar tal determinação.
De acordo com os Xavante, um grupo de pelo menos 50 pessoas invadiu a
localidade conhecida como Posto da Mata, no interior da TI, expulsando
servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai). Na manhã de domingo
(26/1), o cacique Damião Paridzané foi perseguido quando tentava se
aproximar.
“Eu fui cedo para Mo onipá [como os indígenas chamam o Posto da
Mata]. Havia quatro funcionários da Funai. Não consegui chegar lá porque
os posseiros fecharam a estrada. Todo o mundo correu atrás da gente”,
relata Paridzané. “É preciso agir logo. Não podemos circular pelo nosso
território com os invasores aí. O que nos falta agora é segurança. O
carro da saúde não pode sair. Estamos preocupados.”
Apesar da presença da FNS ao longo de 2013, diversos grupos foram
flagrados pelos policiais e pelos Xavante durante o ano em rondas pela
TI, fragilizada mesmo após a desintrusão pela existência de estradas que
cortam a área e facilitam invasões. A tentativa de reinvasão constitui
crime e um atentado contra a decisão da última instância do Poder
Judiciário brasileiro.
Ontem, a Operação Amazônia Nativa (OPAN), o Instituto Socioambiental
(ISA), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Greenpeace
circularam uma nota pública em que pedem e apoiam o retorno da força
policial à TI Marãiwatsédé. O texto cobra a presença do Estado e
tratamento digno aos pequenos posseiros que eventualmente estejam no
local.
Veja a nota
O desejo de que os pequenos agricultores da região vivam com
qualidade é também compartilhado pelos índios. Durante o processo de
desintrusão, Paridzané falou diversas vezes sobre o equívoco de se
polarizar o embate como sendo de brancos contra índios.
“Os políticos não estão preocupados em melhorar a vida nem dos índios
nem dos não índios. Será que o governador se preocupa com a situação do
povo hoje? Em todos os municípios daqui, o povo não tem água, não tem
esgoto, não tem desenvolvimento. Ele, como autoridade de Mato Grosso,
tem a obrigação de atender as dificuldades do povo, mas ele não quer.
Mas os políticos preferem jogar o branco contra o índio, como se isso
fosse resolver alguma coisa”, disse Paridzané em dezembro de 2011.
Entenda o caso
Em 1992, em meio aos trabalhos de identificação, um grupo formado por
políticos e fazendeiros organizou uma invasão ao território tradicional
dos Xavante, iniciando uma longa batalha judicial pela desintrusão,
somente finalizada ano passado com apoio policial. Homologada em 1998, a
TI Marãiwatsédé tem 165 mil hectares e, por causa da ação dos
invasores, tornou-se um dos territórios indígenas mais desmatados do
país.
Em outubro de 2013, o STF confirmou decisão do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF1) no sentido de considerar que a posse de
todos os réus sobre a área em litígio era ilícita, de má-fé, porque eles
sabiam que se tratava de terra indígena quando de sua entrada.
A tentativa de invadir novamente Marãiwatsédé ocorre em meio a uma
série de ataques à legislação indigenista por meio de projetos
inconstitucionais defendidos pela bancada ruralista no Congresso. Entre
esses projetos, estão a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que
tira do Executivo e transfere ao Congresso a prerrogativa de aprovar as
demarcações de TIs e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 227, que abre
as terras indígenas à exploração econômica do agronegócio, empresas de
energia e mineração.