Thursday, March 8, 2018

Uma voz pelo clima e por justiça que se recusa a calar

Postado por Rodrigo Gerhardt 
Neste Dia Internacional da Mulher, inspire-se em Claudelice, uma defensora da floresta que tem arriscado sua vida na luta por mais justiça e respeito ao planeta
Claudelice Silva dos Santos é uma das várias mulheres de bravura que têm usado sua força e sua foz para defender a floresta para todos nós Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

No Brasil quem defende a floresta põe em risco a própria vida. A paraense Claudelice Silva dos Santos, 36 anos, descobriu isso da pior maneira. Em maio de 2011, ela teve o irmão José Cláudio Ribeiro e sua cunhada Maria do Espírito Santo assassinados covardemente em uma emboscada de pistoleiros. Eles denunciavam os atentados praticados contra a floresta na tentativa de calá-los, mas não contavam que muitas outras vozes iriam ressoar as mensagens dos protetores. Claudelice é uma das que não permite que o silêncio prevaleça. “Bocuda demais”, como ela mesmo se define, tem elevado sua voz desde então, ainda que isso signifique ser a próxima vítima.
O desmatamento é a principal causa brasileira da mudança do clima. E cientistas renomados já apontam que a Amazônia está muito próxima do ponto de ruptura em que não conseguirá mais se regenerar naturalmente. Assim, defender a floresta é nos proteger das piores consequências da falta d`água, da seca, dos incêndios e inundações.
“Desde menina, cresci em um projeto de assentamento agroextrativista (PAE) chamado Praia Alta-Piranheira. São os nomes dos dois rios que deságuam num maior, o rio Tocantins. É uma área de 22 mil hectares em Nova Ipixuna, na região sudeste do Pará, que sempre foi conhecida por seus castanhais. Eles predominavam na paisagem, formando os principais blocos de vegetação. Era um paraíso. Estudei em uma escola para trabalhadores da agricultura familiar e lá aprendi diversas ações sobre a importância da preservação ambiental e de valorizar os recursos da floresta em pé. Uma castanheira é uma árvore imensa, de alto valor econômico tanto por sua madeira quanto pela produção de seu fruto. Mas para o madeireiro só vale a árvore derrubada. E uma castanheira faz o olho dele brilhar. A partir do ano 2000, a presença deles na região aumentou muito e passamos a sofrer pressões para vendermos nossas árvores até culminar em ameaças e invasões para roubo da madeira. Enfrentamos esses abusos com denúncias, mas a mídia local e o poder público já tinham lado e sempre fizeram vista grossa. Até que em maio de 2011, meu irmão José Claudio e minha cunhada Maria foram assassinados como forma de nos calar. Desde então, nossa luta é para manter a floresta em pé e as pessoas vivas.”
Após esse crime, a família se viu obrigada a se mudar. Claudelice mora e estuda em Marabá. Trocou o curso de Engenharia Ambiental por “Direito da Terra”, voltado para pessoas de comunidades tradicionais, e com foco na defesa do meio ambiente e das minorias.  “Como advogada, quero ser ainda mais útil para os defensores da floresta, ajudando-os a elaborar e formalizar denúncias. Esta é uma luta de conflito agrário. Estamos lidando com grileiros de terra”, conta. Sua principal iniciativa tem sido a realização, todos os anos, da “romaria dos mártires da floresta” ou “marcha”, para quem não é católico.
Apesar de assassinados, o casal Zé Claudio e Maria continua a inspirar outros defensores da floresta - Foto: Fábio Nascimento/ Greenpeace

“Começou só com a família, mas hoje reunimos centenas de pessoas que vêm de longe, muitos deles estudantes que se organizam em ônibus. É um ato de protesto, de denúncia, de reflexão para fazer resistência a essa situação de destruição e também para defender aqueles que também estão na lista para morrer. Esta consciência está aumentando. Tentaram criminalizar a nossa luta, mas não conseguiram. Mas ainda há muita impunidade. Após sete anos do crime, os assassinos ainda estão soltos, por isso as pessoas têm medo”, diz Claudelice.
Apesar da resistência, a reserva extrativista já não é a mesma. “A paisagem foi totalmente alterada, a ponto de hoje o maior potencial econômico na região não ser mais o madeireiro, e sim, a pecuária. Depois da motosserra, vem a pata do gado”, conta.
“Nessas intervenções , as empresas e os ‘empreendedores’ enriquecem, mas quem paga a maior conta disso tudo são as comunidades locais, que sofrem com o empobrecimento da região e os altos níveis de violência e criminalidade. Mas eles afetam muito mais vidas, matam pessoas que estão bem distantes, pois os impactos não são só locais, o clima é a prova. A mudança no regime de chuvas já é visível para nós, os povos da floresta. Aqui, na Amazônia, passamos a viver de picos – ou secas extremas e longas, que já fizeram o solo rachar como no Nordeste, ou chuvas torrenciais que inundam tudo.”
Após a chegada das madeireiras, o assentamento extrativista de Nova Ipixuna mudou sua paisagem, antes dominada pelos blocos de castanhais - Foto: Fábio Nascimento/ Greenpeace

Em função de todos esses impactos, as pessoas estão sendo obrigadas a mudar seus estilos de vida e, nesse sentido, as mulheres são as mais afetadas. “Tudo o que as pessoas daqui querem é viver bem do que conseguem da floresta. E as mulheres têm uma relação mais sensível e íntima com a mata que os homens. Enquanto eles, pela carga de sustentar a família, olham para o potencial econômico mais imediato da venda da madeira, para elas a floresta é a provedora de remédios, comida, cosméticos, de fibras para o seu artesanato. Quem derruba a árvore, só ganha uma vez. Mas quem vende um litro de óleo de andiroba ou castanha, vende sempre e estabelece outra relação com seu ambiente. Acredito que o pouco que temos ainda de floresta em nossa reserva é graças à defesa das mulheres. Pude ver isso na prática com o grupo de mulheres extrativistas que formamos em 2006. Elas produzem produtos como óleos, cremes, chás, ervas, artesanatos, tudo apenas com o que a floresta provê regularmente. Algumas enfrentaram seus companheiros para não cair na conversa das madeireiras.”
Nesta luta, quando pensa no ritmo como as coisas vão, Claudelice ainda sente uma profunda tristeza e inquietude quanto ao futuro da floresta, de suas filhas, das próprias comunidades.
“Se a floresta deixar de existir, nós vamos desaparecer também. Mas de forma lenta e dolorosa. Quando as pessoas perceberem que estão morrendo porque destruíram a floresta, pode ser tarde demais. É triste que depois de tantos que tombaram, não tenhamos conseguido sensibilizar as pessoas a sair do conformismo e cobrar providências do Estado.Hoje, quem ainda manda são as empresas que esfregam na nossa cara as concessões dadas pelo governo, nos acusando de impedir o progresso. Nossos gritos de ‘salve o planeta’ e ‘salve a floresta’ não estão sendo ouvidos. Mas mesmo estando no lado mais fraco, ainda temos muita força para continuar gritando, lutando e protegendo a floresta e as pessoas.”

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