Quando se fala em consumo, é normal pensar em coisas como roupas e eletrônicos, ou no consumo como forma de se inserir em tendências e mostrar que você ‘pode’ – seja lá o que for. Mas já parou para pensar que o que mais consumimos de verdade é comida? É por isso que hoje (15) comemoramos o Dia do Consumidor: uma importante data também para reforçarmos a luta pelo direito a uma alimentação saudável e acessível para todos.
As pessoas se alimentam todos os dias: vão ao mercado, restaurante, lanchonete ou mesmo na geladeira de casa e fazem suas escolhas. No entanto, tem algo bem errado com essa comida que estamos consumindo. A começar pela lógica de produção de alimentos no Brasil. Vemos um agronegócio totalmente dependente de agrotóxicos, sementes geneticamente modificadas, monocultura e pecuária – uma poderosa fórmula para a destruição ambiental que impacta diretamente a saúde da população.
O país produz grãos e carne de forma totalmente insustentável e também desproporcional se compararmos com outros tipos de alimentos. Insustentável porque a agricultura e pecuária praticadas hoje levam ao esgotamento do solo e à contaminação dos cursos d’água e ainda geram desmatamento e a perda de biodiversidade, o que coloca em risco inclusive a produção de alimentos no futuro. E desproporcional porque a maior parte da produção é voltada para os grãos, utilizados para alimentar animais no mundo inteiro. Portanto a cadeia de carne que consumimos, por exemplo, traz consigo um longo histórico de destruição ambiental e muito veneno. Até quando o planeta vai aguentar esse modelo?
A bandeira levantada pelo agronegócio brasileiro para defender esse modelo esgotado, que traz lucros apenas para poucos e destruição e danos à saúde para todos os outros, é a da fome. Mas enquanto as safras continuam a bater recorde após recorde, a subnutrição e a obesidade seguem maltratando pessoas em diversas regiões do planeta. Escondem-se atrás de suas plantações gigantescas produzindo commodities – e não alimento – a partir de um sistema industrial, ignorando as verdadeiras causas da fome: desigualdade social e distribuição de renda, nem um pouco tratadas por esse sistema, ao contrário, acentuadas. O sistema está doente e os problemas não ficam apenas no campo. Eles trazem reflexos diretamente para a vida do consumidor.
Antes de escolhermos nossos alimentos em supermercados, feiras ou restaurantes, diversas escolhas já foram feitas por nós. Varejistas e grandes marcas de alimento, por sua política de compras; governos, por suas políticas de subsídio, assistência técnica e compras institucionais; indústrias do setor com influência sobre as bancadas do Congresso e também os produtores rurais, por meio de suas escolhas de práticas agrícolas – embora muitos, especialmente os menores ou os “não tão grande assim”, também fiquem à mercê daquilo que lhe é demandado à ofertar, cooptados pelo agronegócio e seu pacotão químico. No fim, todos estes atores definem antes de nós o que está em nosso prato.
Por esses fatores todos, o Dia do Consumidor é um espaço importante para falar de alimentação. Ele celebra os nossos direitos como consumidor e dentre eles, talvez o mais importante e fundamental seja o direito à escolha por uma alimentação saudável. Este dia também abre um importante espaço para refletirmos nosso consumo em diversos níveis, por nossa saúde e do planeta.
Para nos ajudar a destrinchar mais esse assunto tão cabeludo, convidamos Ana Paula Bortoleto, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), organização membro da Aliança pela Alimentação Saudável e do Coletivo Chega de Agrotóxicos. Confira a seguir as melhores partes da conversa:
Greenpeace – Neste dia mundial do consumidor, o que temos para comemorar e quais as principais ameaças ao direito de nos alimentarmos de forma saudável?
Ana Paula – Temos para comemorar uma postura cada vez mais ativa e crítica dos consumidores em relação ao que estão comendo e uma maior valorização da comida de verdade, feita a partir de alimentos in natura, com o uso de ingredientes regionais. Porém, ainda temos muito o que avançar na garantia do direito à alimentação e que passa também pela garantia dos direitos básicos do consumidor. Aumenta a curiosidade e a busca por alimentos saudáveis, porém as informações necessárias para que as pessoas façam suas escolhas não são destacadas. A publicidade massiva e muitas vezes enganosa sobre os benefícios à saúde dos alimentos tornam essa tarefa ainda mais difícil. Hoje temos ameaças concretas inclusive de retroceder e perder o direito à informação sobre a presença de transgênicos prevista em lei.
GP – Como a alimentação pode reforçar nosso direito como consumidor? Comer é um ato político?
Ana Paula – Ao cobrar informações sobre a origem, a composição e a forma de produção dos alimentos disponíveis no mercado, podemos exigir nossos direitos como consumidores e cidadãos. Ao dar preferência a compra de alimentos em locais que oferecem produtos orgânicos, regionais, da agricultura familiar, ou agroecológica, direto do produtor, estamos favorecendo a estruturação de um sistema alimentar mais justo e sustentável. Ao evitar consumir alimentos ultraprocessados, produtos congelados, prontos para comer ou beber "instantâneos", "vitaminados", com muita publicidade e pouca qualidade nutricional, podemos favorecer a oferta de comida de verdade, que é de fato saudável. Comer é, sem dúvida, um ato político.
GP – Atualmente, você acredita que o consumidor tem de fato o direito de escolher?
Ana Paula – Eu acredito que o consumidor ainda não tem garantido o seu direito de escolher. Esse direito apenas será alcançado quando as informações relevantes sobre a composição e origem dos alimentos sejam mais fáceis e claras de entender e com adequada visibilidade. Nisso incluem as informações da lista de ingredientes, da presença de transgênicos, de alimentos que podem causar alergias alimentares, do conteúdo excessivo de nutrientes que podem causar doenças crônicas como obesidade, câncer, diabetes e hipertensão. Além disso, eu acredito que é também necessário que a publicidade infantil e a publicidade enganosa sejam coibidas para que as pessoas possam exercer seu direito de escolha de fato.
GP – Enquanto muitos países lutam por mais informações nos rótulos, bem como para diminuir o uso de agrotóxicos e para banir substâncias nocivas, o Brasil segue na mesma toada? Na sua opinião, por que isso acontece?
Ana Paula – Em relação ao uso de agrotóxicos, infelizmente o Brasil está retrocedendo nas medidas de controle e redução do uso dessas substâncias nocivas. Houve uma redução enorme dos investimentos públicos na agricultura familiar, na assistência técnica rural e outras políticas necessárias para a produção de alimentos sem veneno. Além disso, corremos o risco de flexibilizar as regras sobre a autorização e avaliação de riscos sobre o uso de agrotóxicos com as propostas de mudanças na regulação. A grande pressão do agronegócio é sem dúvida um dos principais motivos desses retrocessos e ameaças.
Em relação às informações nos rótulos, temos uma situação ambígua, pois ao mesmo tempo em que corremos o risco de perder a informação sobre a presença de transgênicos por um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) avançou com a regulamentação da informação sobre alimentos que causam alergias alimentares e agora está prestes a atualizar as regras sobre rotulagem nutricional, no sentido de facilitar o entendimento para o consumidor. O lobby do setor do agronegócio e das grandes transnacionais de alimentos tem dificultado uma maior agilidade nesses avanços e acelerado a tramitação do Projeto de Lei que retira o direito à informação sobre transgênicos.
GP – O que falta para termos mais acesso a uma alimentação saudável?
Ana Paula – Para que comida de verdade seja acessível para toda população, precisamos de ações coletivas, que favoreçam as escolhas mais saudáveis e dificultem as não saudáveis. A garantia do direito à informação é apenas o primeiro passo. Outras medidas que tornem os alimentos saudáveis mais acessíveis como as compras públicas de alimentos orgânicos para a alimentação escolar e medidas que desestimulem o consumo de produtos ultraprocessados, assim como a redução da exposição à publicidade, o aumento dos preços das bebidas açucaradas e a restrição da oferta desses produtos em escolas são fundamentais para garantir uma alimentação adequada e saudável para todas e todos.
Ocupando as redes
Vamos ocupar as redes promovendo um tuitaço hoje, às 16h, pelo direito à alimentação sem veneno. Estaremos promovendo a petição Chega de Agrotóxicos, que já conta com mais de 80 mil assinaturas e tem como objetivo apoiar a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos e ir contra o Pacote do Veneno, um projeto de lei que visa liberar ainda mais veneno no Brasil.
Participe do tuitaço usando as #DiaDoConsumidor e #ChegadeAgrotóxicos, assine a petiçãoe não esqueça de compartilhar com seus amigos e familiares.
Na rua pelo Dia do Consumidor
Estaremos também nas ruas. Diversas organizações da sociedade civil realizarão uma atividade que acontecerá na avenida Paulista, em São Paulo (SP), no domingo (18), das 10h30 às 14h30, em frente ao Conjunto Nacional. O objetivo é dialogar com a população e conscientizar sobre a importância de uma alimentação que não comprometa a saúde de nossos filhos e de nossa família.
O evento contará com rodas de conversa com especialistas, atividades infantis, pic-nicagroecológico, tenda da rotulagem, entre outras atividades. A chef de cozinha Bel Coelho está confirmada no evento. O acesso é livre e gratuito.
Um consumo responsável contribui para uma sociedade mais justa. Tenha um Feliz Dia do Consumidor!