Thursday, May 25, 2017

“Espero que eu não seja a próxima”

Evento leva vítimas da violência provocada por conflitos de terra cara a cara com time de juristas; carta com exigências ao poder público é assinada por 20 organizações
Mesa de juristas ouviu relatos de violência no campo das próprias vítimas (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Horas antes do Senado Federal aprovar um corte de 600 hectares de áreas protegidas de floresta e Unidades de Conservação, um benefício escancarado a grileiros e especuladores, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em parceria com outras entidades, realizava um Ato Denúncia pelos direitos e contra a violência no campo nesta terça (23) na Procuradoria Geral da República, em Brasília. As Medidas Provisórias 756 e 758, de autoria de Michel Temer, pioradas pelos ruralistas e agora aprovadas pelos senadores, apenas intensificam o cenário de disputa de terra e violência.
Uma mesa formada por um time de juristas do CNDH, Ministério Público Federal (MPF), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ouviu testemunhos de quilombolas, indígenas, ribeirinhos e trabalhadores rurais, em força tarefa para construir uma carta de exigências ao poder público e firmar compromissos da sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo.
“A violência continua contra todos os povos indígenas do Brasil que reivindicam seus direitos e lutam pelo que está previsto da Constituição. Muitas vezes são povos que não sabem como se defender, e quando tem alguma liderança que sabe, ela é crucificada”, explicou Nailton Pataxó, liderança indígena do povo Pataxó, na Bahia.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2016 atingiu a vergonhosa marca de 3,8 conflitos por dia. De 61 assassinatos de trabalhadores rurais no ano passado, 58 foram relacionados a conflitos de terra. Das vítimas, 13 eram indígenas, quatro quilombolas e seis eram mulheres.
Gracinalva Gamela, representante do povo Gamela, brutalmente atacado no Maranhão no final de abril deste ano, afirmou que a investida havia sido planejada com antecedência. “Nós estamos com medo e muita raiva também. Já morremos muito, estamos cansados de correr atrás de nossos direitos. Espero que eu não seja a próxima”, afirmou ela.
Ainda segundo a CPT, quase duas mil pessoas sofreram ameaça de morte entre 2007 e maio de 2017.
“Tivemos nas últimas semanas o crescimento da violência no campo. Kátia Rodrigues foi assassinada no município de Castanhal, perto de Belém. Ela já estava sendo perseguida. Foi assassinada com cinco tiros enquanto estava com o neto”, contou o trabalhador rural Carlos Augusto, do Pará, aos advogados presentes. 
Augusto se refere aos últimos 15 violentos dias nos campos do Brasil. Em 19 de abril, Colniza, no Mato Grosso, foi palco de uma chacina de nove trabalhadores rurais. Em Vilhena, Roraima, três pessoas foram carbonizadas e em Santa Maria dos Barreiros, no Pará, outras quatro pessoas foram encontradas queimadas. Sem contar o brutal ataque aos Gamela, que, embora não tenha deixado mortos, vitimou 22 pessoas, sendo que algumas tiveram membros mutilados.
Após os testemunhos, a carta do ato denúncia, com as exigências ao poder público e os compromissos firmados pela sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo, foi lida ao público presente. A carta é assinada por 20 organizações e está aberta para mais adesões. Leia aqui.
ONU está de olho
O relator especial de Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), John Knox, em visita ao Brasil para um evento promovido pelo Senado Federal, se reuniu com organizações da sociedade civil para ouvir os relatos e denúncias sobre a relação do atual momento político brasileiro com os inúmeros retrocessos ambientais e a escalada de violência no campo.
John Knox em encontro com sociedade civil em Brasília (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Ao final do encontro, Knox se comprometeu a levar as questões para a Comissão de Direitos Humanos da ONU para gerar pressão internacional sobre o governo brasileiro.
Estavam presentes na reunião o Greenpeace, Instituto Socioambiental, Conselho Indigenista Missionário, Conectas Direitos Humanos, SOS Mata Atlântica, WWF, MST, Via Campesina, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entre outros.

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