Sunday, July 16, 2023

O caos do clima e das políticas públicas

Camila Doretto e Rosana Villar  

Em Alagoas e Pernambuco, milhares de pessoas ficaram desabrigadas após fortes chuvas. O planeta dá sinais de que precisamos mudar, e rápido

Foto de cima de cidade em Alagoas com ruas alagadas e casas cobertas parcialmente de água.
09.07.2023 ©Edvan Ferreira / Agência Alagoas

Na semana passada, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou: “as mudanças climáticas estão fora do controle”. A afirmação foi feita após o planeta ter batido vários recordes de calor. Quinta-feira, 6 de julho, foi o dia mais quente já registrado. A temperatura média global ultrapassou 17°C.

Enquanto alguns países na Europa ardiam em calor, outros eram atingidos por chuvas torrenciais, como no norte da Espanha, na cidade de Saragoça.  Aqui no Brasil, pessoas perderam lares e vidas, como consequência de um clima caótico e da falta de políticas públicas. 

No último final de semana, no estado de Alagoas, 23,6 mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas após fortes chuvas, segundo balanço divulgado pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) até a publicação deste texto. E 31 cidades estão em situação de emergência.

Em outro estado do Nordeste, Pernambuco, os moradores passaram por “tudo de novo”, como noticiou o Marco Zero. As casas foram inundadas e as ruas alagadas em regiões não adaptadas à nova realidade do clima, que já nem é mais tão nova assim, deixando mais de 440 pessoas desalojadas e 101 famílias desabrigadas até o momento, segundo a Defesa Civil. Neste domingo, o governo do Estado decretou situação de emergência em 12 cidades da Zona da Mata, fortemente atingida pelas chuvas.     

Retomando a fala de Guterres, é possível atestar o quanto a crise do clima está fora de controle quando tratamos das consequências dos eventos extremos do clima, em um país carente de políticas públicas que garantam a vida para quem está mais ameaçado. As cidades brasileiras não estão preparadas para os desafios impostos pela emergência climática e o poder público segue negligenciando os impactos desiguais.

No Brasil, cerca de 4 milhões de pessoas vivem em áreas de risco e isso não pode ser normalizado.

“As famílias que viveram e vivem nas áreas de risco são da mesma geração que anos atrás lutou e fugiu dos colonos, que precisaram se refugiar nos quilombos e favelas em busca de liberdade, proteção e uma vida digna. Antes era o Império Português, hoje é o Estado Democrático de Direito Brasileiro que continua a negligenciar recursos e medidas estratégicas de prevenção e adaptação climática para essa população preta e periférica, a mais atingida. Quantas mortes mais precisamos contar para que as políticas públicas de enfrentamento à crise climática se tornem prioridade para o poder público?”, questiona Rodrigo Santos, porta-voz da campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

El Niño criará ambiente propício para o fogo na Amazônia 

Todos os anos, na época de estiagem na região Norte, que vai de julho a outubro, vemos a Amazônia ser queimada em ações criminosas que visam transformar a floresta em pasto e monocultura. Este ano, entretanto, as consequências destas ações podem ser especialmente desastrosas, por conta do fenômeno El Niño, que deixará o clima ainda mais quente e seco na região. 

O fenômeno natural, causado pelo aumento das temperaturas do oceano Pacífico na altura do equador, próximo à costa da América do Sul, está associado a mudanças atmosféricas e provocará alterações no clima global, levando chuva em excesso para algumas regiões e seca e calor extremo a outras, como é o caso da Amazônia. 

Isso é preocupante pois o fogo na Amazônia é a última etapa do desmatamento e, graças à política antiambiental dos últimos anos, há um enorme estoque de áreas degradadas e em processo de desmatamento que estão prontas para queimar. Só em 2022, a Amazônia brasileira perdeu uma área de floresta equivalente a 1,6 milhões de campos de futebol, nos últimos quatro anos foram 45.586 km² desmatados, segundo dados do Prodes (Inpe).

E pior, mais fogo e destruição florestal significa mais emissões de gases do efeito estufa (GEE), que levarão a eventos climáticos ainda mais extremos. Atualmente, a mudança no uso da Terra, que inclui o desmatamento e as queimadas, responde por 49% das emissões de GEEs do Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). É uma conta que será paga por todos. 

O planeta está dando sinais de que precisamos mudar, e com urgência. Já estamos vivendo o aumento da temperatura global no mar e na superfície terrestre, enquanto a extensão do gelo marinho global acaba de registrar uma baixa histórica. Diante das previsões da ciência para um futuro muito próximo, a situação poderá ser cada vez pior. 

Em consequência deste cenário, tornou-se comum ouvirmos que o “clima está louco”. Mas o que dizer da humanidade, que mesmo diante do pior cenário possível, insiste em cometer os mesmos erros? 

O poder público precisa urgentemente combater o desmatamento, tirar os combustíveis fósseis de cena e adaptar as cidades – as soluções precisam vir das experiências que já existem nos territórios, na inclusão de medidas que ajudem a reduzir as desigualdades sociais e que promovam resiliência e emancipação dos povos. 

Ajude a pressionar por políticas públicas que tornem as cidades mais justas e resilientes à crise climática. Participe do abaixo-assinado “Basta de Tragédias quando as Chuvas Chegam”.

Monday, July 10, 2023

Desmatamento na Amazônia tem queda no primeiro semestre de 2023

Greenpeace Brasil

Área com alertas de desmatamento foi 33,6% menor que a registrada nos primeiros seis meses do ano passado. Em junho, redução chegou a 41%, segundo dados do Inpe

Registro de março de 2023, de área invadida e desmatada pelo garimpo na Terra Indígena Kayapó. (© Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Dados do sistema Deter-B, divulgados nesta quinta-feira (6) pelo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam uma queda de 41% nos alertas de desmatamento na Amazônia em junho, na comparação ao mesmo mês do ano passado, com 663 km² de alertas. Este é o terceiro mês consecutivo de queda no desmatamento no bioma este ano. 

No acumulado do primeiro semestre de 2023 também houve queda, de 33,6% de alertas frente ao mesmo período no ano passado. Os estados com mais alertas de desmatamento no acumulado deste ano foram Mato Grosso, com 905 km² (34% do total), Pará com 746 km² (28%) e Amazonas com 553 km² (21%). De janeiro a junho, já são 2.649  km²  com alertas de desmatamento na Amazônia. 

Primeiro semestre, por ano, Deter-B (Inpe)

Para Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, essa diminuição pode ser considerada uma boa notícia, mas é preciso cautela redobrada com o segundo semestre, quando o desmatamento e as queimadas registram historicamente seus maiores índices e as perspectivas para o clima são bastante desfavoráveis. “Esse dado de queda vem acompanhado de duas outras quedas registradas nos meses de abril e maio deste ano, e também depois de um início de ano que assustou a todos, com o pior primeiro trimestre da série histórica, vindo a rebote do governo anterior que tinha uma política antiambiental”, afirma. 

Foi a segunda vez este ano que o Ministério do Meio Ambiente convocou entrevista coletiva para a divulgação dos dados do Inpe. Um costume que foi abandonado durante o apagão científico do último governo. Durante o evento, a ministra Marina Silva disse que “a redução do desmatamento na Amazônia se deve a um conjunto de ações de comando de controle que vão desde o aumento da fiscalização e dos embargos pelo Ibama a uma ação coordenada junto com os Estados e a um processo de dissuasão que vem sendo feito, mostrando que não haverá conivência com a criminalidade”.

Mas Rômulo Batista ressalta que, para manter o ritmo de queda de alertas de desmatamento é preciso muito mais que discursos, inclusive reconhecendo os impactos das mudanças climáticas nesta equação. “Será necessário ainda mais trabalho de fiscalização e controle e também acelerar a implementação de programas e ações de geração de renda compatível com a floresta em pé, levando melhorias ambientais e sociais para a região, colaborando assim para mitigar a crise climática que estamos vivendo em todo mundo”, finaliza Rômulo.

Tuesday, July 4, 2023

Primeiro semestre de 2023 tem alta nos focos de calor na Amazônia

Greenpeace Brasil 

Na comparação com o primeiro semestre do ano passado, houve aumento de 10,7%: é o maior número de focos registrado desde 2019

O fogo é usado no processo de desmatamento, para finalizar a mudança do uso do solo, onde a floresta é retirada para dar lugar à agropecuária. Quando há um grande estoque de áreas desmatadas, há mais fogo. (© Christian Braga / Greenpeace)

No primeiro semestre de 2023 foram registrados 8.344 focos de calor na Amazônia, um aumento de 10,7% na comparação ao mesmo período do ano passado, e o maior número desde 2019, segundo dados divulgados pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

Os estados que mais contribuíram para este aumento foram Mato Grosso, com 4.569 (55%); Pará, com 1.482 (18%); e Roraima, com 1.261 (15%), sendo que este último apresentou o maior crescimento de focos de calor no primeiro semestre deste ano, com mais de 100% de aumento, em relação a 2022.

Pará e Tocantins tiveram aumento de 38%. Em compensação, Acre e Maranhão apresentaram queda de 60% e 34% nos focos de calor, liderando o quesito. 

A alta foi impulsionada principalmente pelo resultado de junho, quando foram registrados 3.075 focos de calor, o que representa 36% do total do ano – é o maior número para esse mês desde 2007. O fato chama atenção, já que o primeiro semestre é caracterizado pelo inverno amazônico, quando há muita chuva (com exceção do estado de Roraima).

Segundo Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, os números vêm na esteira da política antiambiental do governo anterior, já que o fogo na Amazônia é geralmente criminoso e relacionado ao desmatamento, para “finalizar” o processo de conversão do uso do solo, onde a floresta é retirada para dar lugar a um outro tipo de uso, via de regra a pecuária. Ou seja, muito do que está queimando agora, já vinha sendo desmatado no período anterior. 

“É importante lembrar também que, infelizmente, devemos ver esses números aumentarem vertiginosamente nos próximos meses, pois está começando o verão amazônico – período mais seco e quente, que vai exigir ainda mais trabalho e ação coordenada entre governo federal e estaduais para evitar que se repitam os recordes vistos nos anos do governo anterior, cuja política era claramente antiambiental”, completa Batista.