Monday, July 1, 2013

Repensar a pauta, sem mudar a essência

Novo diretor-executivo do Greenpeace Brasil, o antropólogo e jornalista Fernando Rossetti vê necessidade de reposicionar debate ambiental a partir dos novos movimentos de rua
De criança, sua família se exilou no Reino Unido por conta da ditadura militar. Já adolescente, acompanhou com entusiasmo o movimento de redemocratização do Brasil. Com tanto estímulo e debate político a seu redor, as Ciências Sociais foram sua escolha natural. E o jornalismo, uma forma de colocar seus conhecimentos em prática. Repórter de educação da Folha de S.Paulo por dez anos, co-fundador da ONG Aprendiz, Fernando Rossetti, 51, decidiu encarar o movimento ambiental e se candidatar ao cargo de diretor-executivo do Greenpeace Brasil – tudo com o apoio e torcida de suas duas filhas. Agora, a frente de uma das mais influentes ONGs ambientais do país, seu desafio será repensar a representatividade do Greenpeace diante dos novos movimentos que vem surgindo das ruas e ampliar o diálogo com a sociedade. Confira a entrevista:
Greenpeace  - O que te interessa em particular no Greenpeace?
Fernando Rossetti – O nome da organização já diz tudo: verde e paz. A causa do Greenpeace é o que mais interessa. Hoje em dia, é impensável uma sociedade que não busque práticas mais sustentáveis de uso de energia, de consumo, de produção, de organização das cidades. Outra questão que atrai muito no Greenpeace é a sua independência. Graças aos colaboradores, não temos rabo preso e podemos afrontar certos interesses econômicos que se chocam com o meio ambiente. É uma organização muito especial e não sou apenas eu quem acha. A juventude também acha. Minhas filhas ficaram muito animadas com a possibilidade de eu trabalhar com o Greenpeace.
G – Quais serão seus desafios a frente do escritório brasileiro?
FR – Vejo dois desafios principais. Em primeiro lugar, o movimento ambiental está em transição. As questões ambientais são globais. O que afeta o Brasil, afeta o mundo todo. Então, é preciso rever o movimento ambiental por essa perspectiva e por como isso se relaciona com a economia. A segunda questão ficou clara nos recentes movimentos de rua: as pessoas não se sentem representadas pelas organizações, seja pelo Poder Executivo ou Legislativo, pelos partidos políticos, pelos sindicatos, mas também pelas organizações da sociedade civil. Qual é nosso papel nisso? Temos o desafio de repensar as organizações dentro de um cenário em que os jovens estão conectados por redes sociais, em que a sociabilidade acontece de maneira diferente e os espaços são ocupados de maneiras diferentes. Teremos que repensar todas as organizações, inclusive as ONGs.
G – Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional veio do movimento social da África. Não é uma pessoa com uma história no movimento ambiental. Você também tem uma experiência de trabalho mais ligada à educação. Seriam esses dois indicativos de que a organização busca novos caminhos e tenta ampliar sua pauta?
FR – Qual é a pauta ambiental e como reposicionar essa pauta? E como repensar as organizações? Sou um gestor de organizações sociais e, como tal, minha função é repensar isso tudo. Me sinto muito desafiado e animado para, junto de outras organizações, construir um mundo mais sustentável e dialogar  com movimentos como os que estamos vendo no Brasil, na Turquia... Quero dizer que a juventude está indo às ruas e não se sente representada pelas organizações da sociedade. Acho que existe uma oportunidade de fazer o Greenpeace crescer e se integrar melhor com outros movimentos.
G – Isso pode representar uma mudança de pauta para o Greenpeace?
FR – Não vejo uma mudança, mas uma atualização da agenda para um contexto novo, em que todos ainda estamos aprendendo. O mundo mudou e, talvez, estejamos precisando de uma reflexão de base para atualizar a organização.  De qualquer maneira, continuamos sendo Greenpeace. Nossa forma de atuação não muda.
G –Você vê possibilidade de ampliar a pauta de trabalho do Greenpeace para além das campanhas Amazônia e Clima e Energia?
FR – Acabo de chegar na organização e não trago uma agenda de mudanças. O Greenpeace está em um processo de planejamento para os próximos três anos e sei que temos em nossos quadros alguns dos melhores profissionais da área ambiental. Meu papel, então, é escutar essas pessoas e decidir juntos qual agenda é prioritária para o país e para o mundo.
G – Os brasileiros estão preparados para apoiar uma organização como o Greenpeace com a mesma força que vemos em países da Europa?
FR – Claro, e temos demonstrado isso. É verdade que existem desafios na cultura de doação em nosso país. O Brasil, afinal, é um dos países que mais concentra renda no mundo. Mas tem muita gente que já doa e participa desta causa. Como o Greenpeace é uma organização com reputação, que sempre cuidou muito de sua independência e de suas posições, isso gera confiança para as pessoas doarem.
G – Como você analisa o debate atual sobre meio ambiente?
FR – A questão ambiental é emergencial e as pessoas começam a entender isso. Mesmo países mais resistentes, como os Estados Unidos, estão começando a mudar de direção. Por outro lado, é aquela comparação entre o copo meio cheio ou meio vazio. Algumas coisas avançaram, outras não. No Brasil, o desmatamento diminuiu, mas tivemos a derrota do Código Florestal, o que gera certo desânimo. Mais uma vez, houve um descolamento entre a tomada de consciência da sociedade e a representação política, que foi no sentido oposto. Avançamos em uma série de questões, mas os desafios ainda são enormes.
G – Como o Greenpeace pode ajudar na discussão sobre o “copo meio vazio”?
FR – O Greenpeace contribui de várias maneiras, atuando na produção de conhecimento, no controle social, mobilizando as pessoas, levando a pauta ambiental para o Legislativo. Junto com importantes organizações que trabalham o meio ambiente no Brasil, o papel do Greenpeace é terminar de encher o copo.
G – Em que ponto sua experiência com educação converge com meio ambiente?
FR – O modelo de educação da era industrial, que parece uma linha de montagem, não dá conta da realidade atual. Pensar a educação no século XXI é pensar como acontece a aprendizagem, o dar significado à vida das pessoas. Essa bagagem que eu tenho ajuda em qualquer área. Precisamos repensar a maneira como a sociedade transmite conhecimento no contexto da comunicação que estamos vivendo. O movimento ambiental, as ONGs e as empresas estão se colocando questões semelhantes.
G – Como diretor do GIFE [Grupo de Institutos Fundações e Empresas, sua experiência anterior], você trabalhava diretamente com empresas. No Greenpeace, a relação com as empresas é de independência. Como é para você essa mudança de “modus operandi”?
FR – Meu objetivo profissional sempre foi o de buscar um país e uma sociedade mais justos. Para isso, há diferentes maneiras de contribuir. O GIFE trabalha a necessidade de autorregulação e de mudanças de cultura das empresas. Já o Greenpeace atua no controle social e no confronto pacífico para alcançar a transformação. Eu não vejo uma coisa oposta à outra. Minha experiência com empresas me habilita a sentar na mesa de negociação e a identificar com clareza o que é retórica e o que é prática sustentável.

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