Na Conferência do Clima da ONU, em Madrid, Ongs assinam carta contra offsets florestais, um mecanismo que pode aliviar a responsabilidade dos poluidores em reduzir suas próprias emissões

Bailique Community Harvesting Acai in Rainforest in Amapá. © Diego Baravelli / Greenpeace
A capacidade que árvores e ecossistemas têm de remover e fixar carbono da atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queima combustíveis fósseis. Os países precisam investir em ações práticas que reduzam suas emissões. © Diego Baravelli / Greenpeace
O Greenpeace, junto a mais de 60 organizações e movimentos brasileiros que atuam em pautas relacionadas a meio ambiente, direitos humanos, direitos dos trabalhadores, povos indígenas e comunidades tradicionais assinaram e apoiaram a “Carta em defesa da posição histórica do Brasil sobre offsets florestais”. Trata-se de mais uma reação a tentativas de viabilizar o uso de florestas no mercado de carbono para compensar emissões de gases que intensificam o aquecimento global, mecanismo chamado de offsets florestais, vista como uma falsa solução ao desafio das mudanças climáticas.
A assinatura do documento foi feita nesta segunda-feira, 9 de dezembro, na 25 ª edição da Conferência de Clima da ONU (COP25), que acontece em Madrid.  Este ano, entre as principais negociações da COP está o mercado de carbono, que refere-se às iniciativas de comercialização de créditos de redução de emissão dos gases de efeito estufa, a fim de criar regras para a compra e venda de carbono em níveis globais. 
Simplificando, o crédito de carbono funciona assim: um país paga a outro pelo direito de emitir gases que provocam o efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Do outro lado, quem recebe esse pagamento, em tese, deve investi-lo em fontes de energia renováveis ou então precisa deixar de desmatar. Cada crédito é equivalente ao aquecimento global causado por uma tonelada métrica de CO2.
Contudo, o mercado de carbono deve ser analisado com cuidado e deve conter regras rígidas para que não se torne uma maneira dos países compensarem suas emissões de gases de efeito estufa sem estarem de fato reduzindo a origem das práticas que são responsáveis por essas emissões. E quando isso envolve as florestas, que é onde entram os offsets florestais, esse mercado apresenta graves riscos para o combate à emergência climática.
Na prática, por exemplo, pode acabar sendo mais barato pagar para alguém que já conserva uma floresta do que realmente investir na substituição do uso de combustíveis fósseis por fontes de energia limpa e renovável. Substituição essa que é urgente e necessária para enfrentar a crise do clima
A Carta traz alguns argumentos que explicam porque os offsets florestais não são solução para enfrentar a crise climática.
Leia a carta na íntegra:
Madrid, 09 de dezembro de 2019.
COP 25
Não aos offsets florestais no Artigo 6 do Acordo de Paris
Ao longo dos 25 anos de existência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, muitas propostas surgiram como solução à crise climática. A inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono (offsets) é uma dessas. Desde que as primeiras propostas sobre o tema foram apresentadas, inúmeras organizações e movimentos sociais, ONGs, representantes de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais no Brasil e no mundo vêm apontando preocupações e denunciando o que se convencionou em chamar de falsa solução à crise do clima.
No atual contexto das negociações internacionais, os países estão a ponto de regulamentar o Artigo 6 do Acordo Paris. Esse artigo traz no seu bojo versões atualizadas dos mecanismos de flexibilização já presentes no Protocolo de Kyoto: implementação conjunta, agora denominado de abordagem cooperativa, e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, agora Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável. Desde que foram introduzidos, inclusive as mais recentes versões sob o Acordo de Paris, a sociedade civil vem rechaçando as diferentes formas que eximem os países de cumprir com suas responsabilidades à custa de ações implementadas nos territórios de outros países, como a Amazônia brasileira. Em nome de obter recursos para ação climática e visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa/GEE ao menor custo possível, estamos a ponto de legitimar uma reedição de mecanismos de compensação de carbono (offsets) em floresta. A valorização da floresta em pé não pode se dar à custa da transferência de responsabilidades. Acreditamos que os países devem reduzir suas emissões dentro dos seus territórios, além de portar recursos ao Fundo Verde do Clima, compromisso já firmado de maneira incondicional.
Neste contexto, o recente relatório Mudanças Climáticas e Terra do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima/IPCC reforça a tendência de apostar nas chamadas nature based solutions, que devem responder por 1/3 da redução das emissões. Esta narrativa, apesar de chamar a atenção sobre pontos importantes, pode reciclar antigas falsas soluções.
Na conjuntura nacional, alguns atores têm usado a COP25, a crise política pela qual o país passa e os dramáticos retrocessos ambientais, em especial na Amazônia e no Cerrado, como pretexto para demandar medidas a favor de monetizar os ativos florestais do país, criando possibilidades para mercantilizar a floresta, que seria transformada em créditos de CO2 – para compensar as emissões de GEE de outros países. As organizações signatárias desta carta veem tais proposições com preocupação e defendem a manutenção do posicionamento histórico do Brasil contra offsets florestais, concordando que qualquer mudança nesse sentido colocaria em risco a integridade ambiental do país e do planeta.
Por que os offsets florestais são uma falsa solução?
1. A transformação de florestas em ativos do capital natural, monetizáveis, implica em perda de soberania sobre os territórios, tanto para as populações quanto para o Estado brasileiro. As condições para monitorar os ativos intangíveis dependem de uma gigantesca infraestrutura de monitoramento e controle, inclusive via satélites. A venda destes ativos – o carbono da floresta, do Cerrado e de outros biomas e ecossitemas – para outros países e empresas, terá implicações nos limites da governança e da autodeterminação daqui para frente.
2. Alem disso, os offsets florestais servem como incentivo para países segurarem a ambição de seus compromissos. O Acordo de Paris é baseado em compromissos nacionais determinados voluntariamente por cada governo, e só os cortes de emissões que vão além desses compromissos poderiam ser comercializados em mercados de offsets. Com offsets, quanto mais baixos fossem os compromissos nacionais, mais sobraria para vender, criando um estímulo para a baixa ambição.
3. Não trazem benefício adicional para a redução de emissões, porque é um jogo de soma zero. Nunca são reduções efetivas, pois o que há é a compensação. O que se reduz por meio da não emissão florestal continua sendo emitido em outro setor.
4. A venda de créditos de redução de emissões, onde são firmados compromissos de décadas, implicam também na hipoteca do futuro de milhares de pessoas que já nascerão sem que o Estado e os povos em seus territórios possam ter a soberania sobre qual política e ações poderão ser criadas para a proteção e uso de seus bens comuns.
5. Tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticas de proteção florestal no país, e ainda alimentam o discurso de quem quer solapar a legislação ambiental brasileira.
No âmbito nacional, vemos uma conjuntura de retrocessos nas leis e políticas que garantem a proteção dos direitos territoriais e do meio ambiente. No meio dessa crise e ofensiva, retorna o discurso de que a compra e venda de carbono florestal seria uma solução para o enfrentamento do desmatamento que vem crescendo e para a captação e recebimento de recursos necessários para vigilância e monitoramento. Isso vem aliado a esforços para reconfigurar a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+) e o Fundo Amazônia de forma que também abririam espaço a offsets. Por mais que o discurso pareça atraente, os argumentos acima mostram que se trata da defesa de uma falsa solução, voltada a beneficiar um pequeno grupo de atores (aqueles que continuariam emitindo gases de efeito estufa ou receberiam recursos mobilizados), mas traria graves conseqüências para o Brasil e o mundo.
Não podemos desviar a atenção das verdadeiras soluções e das políticas necessárias de enfrentamento à crise climática.
Por isso, demandamos a manutenção do posicionamento histórico brasileiro contra offsets florestais.
Assinam:

350.org
350.org Brasil
350.org LatinoAmerica
Acción ecologica – Equador
Acción por la biodiversidad – Argentina
Alianza Biodiversidad
Amigos da Terra Brasil
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)
Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Asociación Red de Coordinación en Biodiversidad (Costa Rica)
Associação Agroecológica Tijupá
Articulação Pacari_Raizeiras do Cerrado
Articulação PomerBr
Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA)
Associação Unidade e cooperação para o desenvolvimento dos povos (UCODEP)
Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
Centro Agroecológico
Centro de apoio a projetos de ação comunitária (CEAPAC)
Cero Fósiles LatinoAmerica
Coalicion LatinoAmerica contra El Fracking Por El Água Clima y Vida (COESUS)
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (CONAQ)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Conselho Comunitário do Bailique (CCB)
Engajamundo
FASE – Solidariedade e Educação
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI-PA)
Fé, Paz e Clima
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fundación ARAYARA
Fundación Gaia Pacha
Greenpeace Brasil
Grupo Carta de Belém
Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)
Jubileu Sul
Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Instituto Carvão Zero
Instituto Ecovida
Instituto Padre Ezequiel (IPER)
Manchineri Tshi Pinte Hajene (MATPHA)
Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento dos Pescadores (as) artesanais do Brasil (MPP)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra
Não Fracking Brasil
Núcleo Educamemória
Observatório do Carvão Mineral (OCM)
Pomer Pampa 
Ponto de Cultura Alimentar Iacitata
Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA)
Rede Bragantina de Economia Solidária Artes e Sabores
Rede Brasileira pela integração dos povos (REBRIP)
Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira
Rede Guarany Brasil
Rede Guarany PY
Rede RAMA de Cultura Alimentar Amazônica
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR/STM)
Terra de Direitos
Rede Bragantina de Economia Solidária Artes e Sabores
Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira
Rede Terra Sem Males
Rede JIRAU de Agroecologia
SOF – Sempre Viva Organização Feminista
Zero Fósseis