Thursday, February 6, 2014

Quatro horas de vida numa estação




O relógio mostra que já é pouco mais de seis horas: chegou o momento de começar a pior e mais cansativa parte do dia, a volta para casa. O problema não é o destino, mas o trajeto. Se tem uma coisa que São Paulo me ensinou muito rápido é que, no horário de pico, deve-se evitar, ao máximo a Linha Vermelha (L3 do metrô). Infelizmente, no entanto, ela faz parte da minha rotina diária de deslocamento casa-trabalho-casa.
Chegando na República, onde faço a baldeação, uma surpresa e um espanto: a estação estava tão lotada que não era possível sequer ter acesso à plataforma de embarque da L3, de modo que as pessoas se acumulavam ao longo das três escadas (mesmo as rolantes haviam sido desligadas). O relógio agora me mostra que são 18h40 e enquanto me dou conta disso uma voz começa a anunciar que o sistema de envio de trens vazios à estação foi suspenso, de novo. Tomada pelo desânimo, pelo cansaço e por uma sensação incômoda de deja-vu, me juntei a outros tantos usuários que se escoravam nas paredes ou sentavam no chão, já sabendo que mais uma vez não chegaria em casa a tempo de jantar com minha família.
Passados vinte minutos, nada havia mudado. Resolvi me arriscar e tentar descer até a plataforma, na tentativa de, quem sabe, chegar em casa um pouco mais cedo do que no dia anterior. O percurso até o final da escada foi o suficiente para me fazer desistir. O calor na plataforma estava infernal e eu sabia que, se ficasse ali por muito tempo, meu destino seria o mesmo que o de algumas pessoas que já davam mostras de estar passando mal.
Com muita raiva, decidi abrir mão do meu bilhete já pago e sair da estação para tomar ar fresco e procurar um lugar um pouco mais tranquilo para aguardar o horário de pico passar – até então, nada havia sido dito para os usuários acerca da gravidade da situação.
Sentada num café na Avenida Ipiranga, me dei conta de que a raiva não era pelos R$3,00 perdidos, era (e ainda é) fruto de todo o inconformismo com um sistema de transporte (que, diga-se, vai muito além do metrô) ineficiente e desconectado, que empurra os cidadãos para o abismo do trânsito sem fim (se decidirem usar o carro) ou para as falhas constantes do sistema de transporte público, sejam elas relacionadas à falta de qualidade ou à sua extensão insuficiente.
Para se ter uma ideia, de 2010 a 2012, o número de falhas e panes elétricas no metrô mais que dobrou. Pode ser que esse número tenha algo a ver com o fato de, também em 2012, o Governo de SP só ter investido 44% do previsto na expansão do sistema. Curioso é que, cruzando os dados, percebe-se que no mesmo período, cresceu também a arrecadação tributária do Estado de São Paulo, que, infelizmente, não dá mostras de ser revertida a benefício da mobilidade da população – seja pelas obras de metrô que completam aniversário de atraso, seja pela falta de manutenção no sistema já existente.
Por volta das 19h40 decidi que já era hora de voltar à estação e, agora sim, ir para casa. Ledo engano. Antes mesmo de chegar à entrada, o acúmulo de pessoas – dessa vez do lado de fora -, me fez perceber que algo estava errado. Foi quando as palavras chegaram ao meu ouvido, primeiro soltas – linha, vermelha, interrompida, hoje -, e depois organizadas em uma frase que um senhor, ao ver meu espanto, formulou para mim: “a linha vermelha foi interrompida hoje, moça, nem adianta descer, melhor ir para casa de outro jeito, sei lá como.”
Ainda meio incrédula, desci até a estação para me deparar com o inacreditável: o anúncio de que a linha havia parado e a recomendação de que os que fossem para o Brás utilizassem o trem; uma fila enorme de pessoas que pareciam se recusar a acreditar no que o auto falante anunciava e continuavam tentando passar as catracas; e tantas outras pessoas que, sem saber o que fazer, sentavam no chão.
O que antes era raiva se tornou tristeza e a tristeza se refletiu em uma vontade enorme de chorar ao imaginar e ver a desolação de todas aquelas pessoas que, como eu, também pareciam se perguntar “até quando?”. Até quando essa rotina de deslocamento que nos cansa mais que o trabalho? Até quando não estar em casa para jantar com a família ou fazer o dever de casa com os filhos? Até quando?
Saí da estação com todas essas indagações e inconformidades em cima de mim. Com algumas perguntas descobri que minha melhor alternativa era andar até a Praça da Sé e pegar um ônibus que iria para o Carrão. Não sabia o sentido certo para a Praça da Sé e também não precisei perguntar, as várias pessoas se deslocando no mesmo sentido me fizeram aferir a direção.
Cheguei em casa às 22h13 da noite, extremamente cansada, mas com a certeza de que, mais do que nunca, a luta por uma mobilidade que seja mais inclusiva, socialmente justa e sustentável se faz necessária e urgente.
Fui dormir com o conforto dessa certeza e, ao acordar hoje e ler todas as declarações dadas sobre o ocorrido, passei o dia me perguntando até quando uma falha de tais proporções ocorreria e ninguém do Governo se dignaria a sequer emitir uma simples declaração pedindo desculpas a todas as pessoas que, como eu, deixaram quatro horas de suas vidas no piso de uma estação.

*Bárbara Rubim é coordenadora da campanha de Clima e Energia do Greenpeace

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