Esse blog é dedicado à voluntária Gislaine Pereira, por ter descoberto sem querer minha paixão pela escrita quase antes de nos apresentarmos como ativistas apaixonadas pela Amazônia

“Olha aqui o seu Criolo” – a legenda era do vídeo que eu enviava ao meu irmão, Criolo e Milton Nascimento cantando juntos num festival de música brasileira, no segundo dia de Setembro- “meninos mimados não podem reger a nação” . Eu chorei nesse show, contei para ele, quem diria. A resposta quebrou o clima. “Que bom, e enquanto isso, você viu o que aconteceu com o museu no Rio de Janeiro?”.
O Museu Nacional queimou, junto com Luzia, o primeiro crânio da América Latina, com as exposições etnográficas indígenas, e a coleção botânica de Bertha Lutz, uma das cientistas mais importantes para a luta feminista no nosso país. Queima de arquivo, alguns disseram. Com tanto descaso, finalmente explicitado nas redes, as notícias antigas sobre a falta de recursos e manutenção daquela antiga casa onde morou a família real pareciam quase uma súplica, um alerta de perigo. Naquele momento, no entanto, ninguém se preocupou em compartilhar esses alertas.
Entre tantos depoimentos e lamentos- de amigos cientistas e pesquisadores, turistas apaixonados por arte, de meus dois diretores criados no Rio de Janeiro, compartilhando a tristeza em forma de lembranças- eu pensei na Floresta. Eu não posso compartilhar lembranças do Museu Nacional, não posso escrever um texto tocante sobre ele. Ainda assim, posso sentir a dor de perder nossa História e  sentir o medo de perder nosso futuro. E como falar disso sem me lembrar da Floresta?
Eu conheci a Amazônia em 2007, no meu primeiro emprego. Ainda não era formada, estudava no interior e trabalhava na capital; naquela época mobilidade para mim significava ser arrastada pela lotação do metrô da Sé  (se você não é de São Paulo, não tenha medo de imaginar o pior e mais bizarro dos clichês para montar essa imagem) e me jogar nos bancos desconfortáveis dos aeroportos de Boa Vista, Rio Branco e Belém durante as conexões de madrugada que não duravam horas suficientes para um sono decente. Ah, a juventude!
Heloisa Mota na Amazônia em 2016 © Otávio Almeida/Greenpeace
Heloisa Mota na Amazônia em 2016 © Otávio Almeida / Greenpeace
A primeira vez que toquei uma árvore da Amazônia ela estava morta. Era grandiosa, com um diâmetro maior do que meus 1,62 cm de altura. Estava jogada no chão de um terreno no meio de uma estrada no Acre- esse estado especial que tanta gente tem mania de falar que não existe. Olhava pro meu companheiro de viagem querendo chorar enquanto o dono do empreendimento responsável pela retirada daqueles troncos úmidos – de cores mais intensas que as dos quadros de Frida Kahlo- da Floresta, gabava-se de cumprir um plano de manejo, já sabidamente questionável. Não tem papel e burocracia que nos conforte ao lidar com certas imagens. E o que eu sabia sobre aquelas árvores, morando a milhares de quilômetros de distância, era basicamente nada. Eu não entendia sua história, não poderia imaginar as pessoas que um dia pararam em sua sombra ou mesmo só para admirar, com qual cultura cada tronco daquele contribuiu. Não podia saber o valor da Floresta dentro do contexto de quem nasce no meio dela. E, triste, percebi que, há poucos meses de me formar engenheira ambiental, eu sabia pouco mais sobre a Amazônia do que uma capa de filme sobre o Chico Mendes que eu assistia de vez em quando, pegando emprestado da locadora do meu pai, em Andradina, no interior de São Paulo.
Alguns meses depois, por felicidade, conheci a floresta em pé em alguns cantos dos estados da Amazônia. E quem diria que, um dia, eu viria trabalhar no Greenpeace, o lugar que me permitiu tomar banho no Rio Negro e me apaixonar pelo Tapajós. Greenpeace, o responsável por me fazer dormir na rede com medo de ser pega por uma onça, já que esta menina da cidade que vos escreve, continua só aprendendo sobre a sabedoria das florestas e seus povos.
Heloisa Mota e Thaís Herrero na Amazônia em 2016
Heloisa Mota e Thaís Herrero na Amazônia em 2016 © Otávio Almeida / Greenpeace
Mais que trabalhar com meio ambiente, eu vim para o Greenpeace trabalhar com pessoas. Elas me ensinam, dia a dia, o porquê vale a pena continuar tentando, compartilhando, protestando e revelando ao mundo a importância de mantermos a Amazônia em pé. Vim me unir a nossos ativistas, voluntários, doadores. Todos que assinaram a petição pelo projeto de lei do Desmatamento Zero, todos que defendem os direitos dos Munduruku de proteger suas terras no Tapajós. Vim para aprender com vocês e construirmos uma história melhor para este país.
Em agosto começou, mais uma vez, a temporada de queimadas na Floresta. Eu pensei,  lembrando dos museus, que um incêndio é uma ameaça enorme para as florestas. Conversando com um colega, veio a imagem de todas aquelas espécies vegetais ou animais mortas, muitas ainda desconhecidas, que nunca chegarão à coleção de museu algum. Todos as etnias, línguas e saberes dos povos indígenas e comunidades tradicionais que serão desprezados por quem está longe da floresta, e que deixarão de fazer parte da nossa História. Contudo, existem pessoas como você que chegou ao fim deste texto.  É por pessoas que se importam que eu ainda tenho coragem.
Obrigada por chegar até aqui. Eu fiz esse texto pensando em compartilhar o momento mais emocionante do show do Milton Nascimento, aquele que me fez chorar,  quando cantamos em uníssono: “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem traz na pele esta marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida. Ae, AeA Ae, Ae, Eeee…”.
Comemore esse dia tão importante ao nosso lado, juntos somos mais fortes! Faça parte do nosso time →